Descrição de chapéu The New York Times

ONU fecha acordo histórico para proteger biodiversidade em alto-mar

Texto lança as bases para conservação de 30% dos oceanos até 2030

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Catrin Einhorn
The New York Times

Depois de duas décadas de planejamento e conversas que culminaram em uma dura corrida nos últimos dias em Nova York, uma maioria significativa de países concordou com os termos de um tratado histórico da ONU (Organização das Nações Unidas) para proteger a biodiversidade oceânica.

Como a vida marinha enfrenta ameaças de mudanças climáticas, sobrepesca, possibilidade de mineração marinha e outros perigos, o tratado possibilitaria a criação de áreas marinhas protegidas e outras medidas de conservação em "alto-mar", a imensa extensão do oceano que cobre quase metade do planeta.

"Hoje o mundo se uniu para proteger o oceano em benefício de nossos filhos e netos", disse Monica Medina, secretária de Estado adjunta dos Estados Unidos. "Saímos daqui com a capacidade de criar áreas protegidas em alto-mar e atingir a ambiciosa meta de conservar 30% do oceano até 2030."

Os oceanos do mundo não contam hoje com nenhum órgão ou acordo internacional focado principalmente na proteção da biodiversidade marinha. Se for promulgado, este tratado mudará essa situação.

Em frente ao prédio da ONU, de fachada espelhada, manifestantes estendem uma faixa azul clara escrito "Ocean treaty now!"
Em 27 de fevereiro, durante as negociações para o tratado do alto-mar, ativistas do Greenpeace exibem faixa em frente à sede da ONU pedindo por um acordo para os oceanos - Ed Jones - 27.fev.2023/AFP

No entanto, há um caminho a percorrer antes que ele entre em vigor. O próximo grande passo seria os países aprovarem formalmente o texto que foi acertado na noite de sábado (4). Então, as nações precisariam ratificar o tratado em si, o que geralmente requer aprovação legislativa.

Aqui está uma análise do acordo da semana passada, seu significado e o que poderá acontecer a seguir.

O que é considerado o "alto-mar"?

Os países geralmente controlam as águas e o fundo do mar que se estendem por 200 milhas náuticas (370 km) de suas costas. Indo além disso, chega-se ao alto-mar, que não está sujeito às leis ou controle de nenhuma nação individual. Essa região abrange quase metade do planeta.

O alto-mar é o lar de espécies em toda a cadeia alimentar, do fitoplâncton aos grandes tubarões brancos. Grande parte da vida marinha que é encontrada mais perto da costa, em águas nacionais —incluindo espécies de atum e salmão, tartarugas-marinhas e baleias—, também passa grande parte de suas vidas em alto-mar. Esse fato destaca a necessidade de colaboração internacional sobre formas de proteger as espécies que precisam de ajuda. Afinal, os animais não reconhecem fronteiras nacionais.

Há também vida abissal, incluindo espécies bastante estranhas, como o tamboril (que se parece com um personagem assustador numa casa assombrada marinha), o peixe-tripé (que parece se erguer sobre barbatanas ósseas como pernas-de-pau) e a machadinha (que têm órgãos que se acendem em fileiras ao longo de seu ventre).

Às vezes se diz que sabemos mais sobre a lua do que sobre as profundezas dos mares.

O que está em jogo aí?

"Nosso oceano está sob pressão há décadas", disse António Guterres, secretário-geral da ONU, em um comunicado na quarta-feira (1º), ao encorajar os delegados a chegarem a um acordo. "Não podemos mais ignorar a emergência oceânica."

A sobrepesca e as mudanças climáticas são as principais ameaças à biodiversidade marinha. Tubarões e raias que vivem em mar aberto, por exemplo, diminuíram mais de 70% desde 1970, de acordo com uma avaliação global.

Novas ameaças à vida marinha estão surgindo à medida que as pessoas buscam no oceano a extração de minerais valiosos e possíveis maneiras de fazer a "captura de carbono" —tentativas de prender o dióxido de carbono para mantê-lo fora da atmosfera, onde é um dos principais fatores do aquecimento global.

A mineração em alto-mar representa um risco para espécies particularmente frágeis e desconhecidas, dizem os cientistas. Longe da luz solar, essas criaturas crescem e se recuperam lentamente.

O alto-mar tem "provavelmente a maior reserva de biodiversidade desconhecida da Terra", afirmou Lisa Speer, diretora do programa de oceanos internacionais do Conselho de Defesa dos Recursos Naturais. "Toda vez que os cientistas vão lá, encontram espécies desconhecidas da ciência."

O bem-estar humano também está em jogo, dizem os cientistas, porque a saúde do alto-mar é fundamental para a saúde do oceano em geral. Bilhões de pessoas em todo o mundo dependem do oceano para alimentação e empregos, segundo o Banco Mundial.

Os oceanos, que regulam o clima em todo o planeta, atenuaram os efeitos das mudanças climáticas na Terra, absorvendo dióxido de carbono e o excesso de calor causado pela queima de combustíveis fósseis. Mas isso está afetando os oceanos, tornando-os mais quentes e ácidos, com menos oxigênio.

"Os oceanos são uma parte vital do que torna nossa Terra habitável, não apenas para a biodiversidade marinha, mas para toda a vida na Terra", disse Liz Karan, diretora de governança oceânica do Pew Charitable Trusts.

Não existem regras já em vigor?

Uma colcha de retalhos de acordos e organizações internacionais regulam o alto-mar, mas se concentram na pesca, navegação, mineração e extração de combustíveis fósseis. Embora eles devam levar a biodiversidade em consideração, isso nem sempre é do seu interesse, dizem os defensores do meio ambiente. Mesmo quando o fazem, cada órgão tende a prestar atenção nos seus próprios efeitos específicos sobre a vida marinha, em vez de considerar os efeitos cumulativos de todas as pressões.

Quais foram os pontos de discórdia?

Uma série de questões emperrou as negociações: que partes do alto-mar podem ser consideradas áreas marinhas protegidas e como elas serão definidas? Como as revisões ambientais funcionarão quando as empresas quiserem minerar, perfurar ou realizar outra atividade potencialmente prejudicial? O que acontece quando o novo tratado esbarra na autoridade de outro órgão existente, como uma organização de gestão de pesca?

E uma das mais tenazes: quem lucrará se recursos genéticos valiosos —digamos, uma cura para o câncer— forem descobertos em alto-mar? As nações em desenvolvimento disseram que tinham o direito de compartilhar tanto o conhecimento científico quanto os possíveis lucros futuros. As nações mais ricas responderam que se as empresas não obtiverem retorno suficiente do investimento talvez não tenham incentivo para investir em pesquisa marinha.

Por trás disso está a frustração dos países em desenvolvimento, que também tem perturbado as negociações sobre o clima e a biodiversidade global: eles sentem que não deveriam ser penalizados por problemas que resultam em grande parte das atividades das nações mais ricas, não das mais pobres.

O que aconteceu no final?

Pouco antes das 21h30 de sábado (no horário de Nova York, 23h30 no horário de Brasília), após 36 horas de negociação, os participantes anunciaram um acordo. "O navio chegou à costa", disse a presidente da conferência, Rena Lee, de Cingapura. Ela conteve as lágrimas durante a longa ovação que se seguiu.

Embora os países não tenham adotado formalmente o texto, eles concordaram em não reabrir as negociações sobre ele. As áreas marinhas protegidas serão determinadas por votação, decidiram os delegados, o que é uma vitória para a biodiversidade porque a outra possibilidade, o consenso, poderia permitir que um país bloqueasse a ação.

Uma declaração do Greenpeace chamou o tratado de "uma vitória monumental para a proteção dos oceanos" e importante para o multilateralismo, num mundo que pode parecer cada vez mais dividido. Laura Meller, ativista dos oceanos do Greenpeace que participou das discussões, disse: "Proteger a natureza e as pessoas pode triunfar sobre a geopolítica".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.

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