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Crime organizado financia desmatamento da mata atlântica na zona sul de SP

Prefeitura diz ter removido 379 obras irregulares desde 2021; monitoramento mostra expansão de assentamentos

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Assentamentos à beira da represa Billings, no Grajaú, zona sul de São Paulo Zanone Fraissat/Folhapress

São Paulo

Na cidade de São Paulo, a maioria das áreas de desmatamento da mata atlântica para expansão urbana está localizada no extremo sul. Esse fenômeno ocorre há, pelo menos, três anos. O principal motivo, segundo a prefeitura, são loteamentos ilegais financiados pelo crime organizado.

Levantamento do MapBiomas, que acompanha o uso da terra no Brasil, mostra que a capital paulista perdeu 84,6 hectares (846 mil m2) de sua vegetação nativa de janeiro de 2019 a fevereiro deste ano para construção de moradias. Segundo a ONG SOS Mata Atlântica, o município possui 25 mil hectares preservados do bioma, que é celebrado neste sábado (27), o Dia da Mata Atlântica.

Somente na zona sul, foram 63 hectares (74% do total da cidade) derrubados no período, equivalentes a 88 campos de futebol (cada um com 105 metros de comprimento por 68 de largura).

Vista aérea de casas na beira do lago da represa, cercadas de área verde
Jardim Toca, no distrito do Grajaú, zona sul de São Paulo; à beira da represa Billings, bairro cresce com desmatamento irregular da mata atlântica - Zanone Fraissat/Folhapress

O secretário executivo de mudanças climáticas de São Paulo, Fernando Pinheiro Pedro, afirma ter impedido resultado pior desde 2021, quando, segundo ele, a gestão Ricardo Nunes (MDB) passou a priorizar a proteção do bioma. "Foram evitados mais de 200 hectares de desmate irregular para assentamentos", diz.

Ele credita o saldo à OIDA (Operação Integrada em Defesa das Águas), iniciativa coordenada pela Prefeitura de São Paulo e pelo governo do estado, que começou há dois anos. Com auxílio das polícias, as zonas de interesse hídrico e ambiental da capital paulista são monitoradas contra crimes ambientais.

As principais áreas de atuação da operação são as das represas Guarapiranga e Billings. O território inclui quatro subprefeituras do sul da cidade: M’Boi Mirim, Capela do Socorro, Parelheiros e Cidade Ademar.

O entorno das represas faz parte do Cinturão Verde da cidade de São Paulo, protegido pela Lei da Mata Atlântica. Ela incentiva a recuperação e preservação das áreas nas quais a vegetação nativa ainda prospera.

Naquela extensão, de janeiro de 2021 a março deste ano, vistorias resultaram na remoção de 379 construções irregulares em 189 km2, com multas que somam mais de R$ 9 milhões, de acordo com o governo do estado. Foram apreendidos 432 maquinários nas ações.

O secretário Fernando Pedro afirma que monitorar a região tem se mostrado um trabalho perigoso. Facções são as principais responsáveis pelos desmates, e agentes das subprefeituras constantemente recebem cartas com ameaças de morte, diz.

"O crime age sem medo. O PCC (Primeiro Comando da Capital) atua como uma corporação imobiliária. Há, por todas as ruas, anúncios de terrenos à venda. Todos ilegais. Descaradamente, as pessoas dão até seus nomes e telefones", conta também o secretário.

Pedro afirma ainda que os loteamentos, atualmente, são mais lucrativos para as facções do que o próprio tráfico de drogas.

Vista de drone de área verde ao lado de área desmatada com casas construídas
Área desmatada na beira da represa Billings, em Interlagos, zona sul de São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Vias da zona sul não são os únicos espaços a abrigarem anúncios de lotes ilícitos à venda. Em grupos de Facebook, a prática é usual. Nos últimos dez dias, a reportagem encontrou mais de 15 anúncios desse tipo somente em Parelheiros. Os terrenos são vendidos de R$ 100 mil a R$ 150 mil, com possibilidade de entrada a partir de R$ 10 mil.

Somente naquele distrito, o MapBiomas identificou sete pontos de considerável desmatamento para expansão urbana desde 2019.

A situação, no entanto, é menos grave que a observada no Grajaú, distrito mais populoso da cidade e pertencente à subprefeitura da Capela do Socorro. Lá foram avistadas nove áreas clandestinamente desmatadas no mesmo período.

Um desses territórios originou até um bairro, o Jardim Toca, no Parque Residencial Cocaia, às margens da Billings. Desde 2013, o MapBiomas alerta para a ampliação de habitações no local na esteira do desmatamento.

O novo bairro fica na margem oposta ao Sesc Interlagos, que mantém área de mata atlântica recuperada, ocasionando contraste. Enquanto o centro cultural, visto de cima, parece um ponto verde, o alaranjando dos tijolos e o cinza do cimento dominam o Jardim Toca.

Para Luis Fernando Guedes Pinto, diretor-executivo da SOS Mata Atlântica, o maior perigo da expansão da cidade ao sul é a aproximação de áreas urbanas do parque estadual da Serra do Mar, no limite da cidade, que possui a maior porção contínua preservada de mata atlântica no país.

"A Serra do Mar é um local de risco por seu relevo de serras muito íngremes e pequena cobertura de solo. É a floresta que a segura. Urbanizando aquela região, teríamos mais população em zonas de risco e maior probabilidade de desastres", alerta.

Novo relatório da SOS Mata Atlântica e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) divulgado nesta semana mostra que, nacionalmente, o desmatamento da mata atlântica ficou acima dos 20 mil hectares no ano passado. A área equivale a 125 parques Ibirapuera, na cidade de São Paulo, e é a segunda maior dos últimos seis anos.

Evolução do desmatamento no Jardim Toca, zona sul de São Paulo

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Bairro surgiu a partir de loteamentos ilegais, com crescimento desproporcional. Arraste para comparar nas imagens o surgimento de moradias de fevereiro a maio de 2021 - MapBiomas

Com apenas 24% remanescentes da cobertura original, a mata atlântica teve 20.075 hectares (ou 200,75 km²) derrubados em 2021-2022, uma queda de 7,2% em relação ao período anterior (2020-2021), que registrou 21.642 hectares desmatados.

"Para a mata atlântica, estamos falando de um valor ainda muito alto, muito acima do que já foi o menor índice, de 11 mil hectares, em 2017-2018, e faz parte de um processo cumulativo de cinco séculos de desmatamento", afirma Guedes Pinto.

Investigações em andamento

O Ministério Público de São Paulo investiga os assentamentos irregulares em áreas de mananciais protegidas pela Lei da Mata Atlântica. Em 2020, a Promotoria instaurou diligência para esclarecer as razões da disseminação dessas ocupações mesmo diante de fiscalização governamental.

O pedido de averiguação cita a demanda social por habitação como catalisadora do problema.

O inquérito mira possíveis deficiências nos órgãos estaduais e municipais de monitoramento. Foi observado, por exemplo, que a subprefeitura da Capela do Socorro possuía apenas seis agentes para fiscalização de 134 km2 em 2020. Com 353 km2, a situação era a mesma em Parelheiros.

A SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo diz que a Polícia Civil, por meio da Divisão de Investigações sobre Infrações contra o Meio Ambiente, tem investigado os loteamentos clandestinos e que, caso constatada a participação de organizações criminosas, "os fatos serão devidamente apurados em parceria com a Polícia Militar Ambiental".

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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