Descrição de chapéu indígenas

Plano da Petrobras para perfurar Foz do Amazonas enfrenta forte resistência indígena

Funai e líderes locais pedem consulta aos povos potencialmente impactados; OUTRO LADO: Petrobras afirma que momento da consulta já passou

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Marta Nogueira Fabio Teixeira
Reuters

A Petrobras vem enfrentando resistência crescente de grupos indígenas e agências governamentais contra seu principal projeto de exploração, que visa abrir uma nova fronteira na parte mais promissora para petróleo da costa norte do Brasil.

O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) negou à estatal uma licença para perfuração em águas ultraprofundas da Bacia da Foz do Rio Amazonas, no litoral do Amapá, no ano passado, citando possíveis impactos sobre os povos indígenas e o sensível bioma costeiro. A Petrobras recorreu, e a decisão final ainda está pendente.

Visitas a quatro aldeias indígenas, entrevistas com mais de uma dúzia de líderes locais e documentos anteriormente não divulgados, compilados pela Reuters, mostram uma oposição organizada crescente contra a tentativa da Petrobras de reverter a negativa do Ibama para a perfuração exploratória sem que os povos indígenas sejam ouvidos.

Vista aérea de aldeia indígena perto de um riacho
Aldeia Uaha, na Terra Indígena Juminá, perto da foz do Amazonas, em Oiapoque (AP) - Adriano Machado - 21.mar.2024/Reuters

Em um documento de 11 de dezembro, obtido pela Lei de Acesso à Informação, a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) solicitou ao Ibama que vários outros estudos de avaliação de impactos fossem realizados. As análises propostas teriam que ocorrer antes que o Ibama pudesse decidir se aceita o pedido de reconsideração da empresa.

Em julho de 2022, o CCPIO (Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque), um grupo que representa mais de 60 aldeias indígenas de Oiapoque, solicitou o envolvimento do MPF (Ministério Público Federal), denunciando uma suposta violação de seus direitos.

Em setembro de 2022, os procuradores recomendaram que o Ibama não emitisse a licença antes de uma consulta formal às comunidades locais.

Os registros de investigação preliminar dos promotores, vistos pela Reuters, mostram que, em dezembro de 2023, o CCPIO pediu-lhes que acompanhassem uma consulta formal de 13 meses com a Petrobras sobre as perspectivas indígenas sobre o projeto.

O processo de consulta, juntamente com os estudos propostos pela Funai, levaria uma decisão sobre a perfuração para 2025 —quando o Brasil sediará a COP30, cúpula de mudanças climáticas da ONU, na cidade amazônica de Belém, no Pará. Isso que poderia tornar a aprovação da perfuração mais politicamente difícil, disse uma pessoa próxima ao CCPIO à Reuters.

A ata de uma reunião de junho de 2023 entre Petrobras, líderes do CCPIO e promotores mostra que a empresa se ofereceu para consultar as comunidades locais sobre uma eventual produção comercial de petróleo na área, se o Ibama solicitar, mas não se comprometeu com uma consulta antes de perfurar poços exploratórios.

Questionada sobre os apelos dos líderes indígenas para uma consulta imediata, a Petrobras disse à Reuters em comunicado que o tempo para tal pedido já passou.

"A definição quanto a necessidade ou não da consulta aos povos indígenas e/ou comunidades tradicionais se dá no momento inicial do processo de licenciamento ambiental", disse a Petrobras.

O Ibama ainda não respondeu à recomendação da Funai para mais avaliações de impacto feita no final do ano passado, de acordo com um documento da Funai de 3 de abril visto pela Reuters.

O Ibama e a Funai não responderam aos pedidos de comentários da Reuters. A CCPIO e o MPF disseram que uma consulta deve ser feita antes que o Ibama emita uma licença para perfuração.

Equilíbrio de promessas

A questão criou um impasse no governo Lula, que busca equilibrar suas promessas de proteger a amazônia e os seus povos indígenas com os interesses da Petrobras e de aliados políticos, que poderão colher os benefícios de uma nova região produtora de petróleo.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que um único bloco da Foz do Amazonas poderia conter mais de 5,6 bilhões de barris de petróleo, o que seria a maior descoberta da empresa em mais de uma década.

A bacia da Foz do Amazonas é considerada a porção os mais promissora da Margem Equatorial, na costa norte do país, em termos de produção de óleo. Os blocos cobiçados ficam a centenas de quilômetros da costa onde deságua o rio Amazonas.

A região que a Petrobras quer perfurar tem geologia semelhante à da costa da vizinha Guiana, onde a Exxon está desenvolvendo enormes campos de petróleo.

No pedido de reconsideração ao Ibama, a empresa afirmou que a exploração não terá impacto negativo nas comunidades locais. "Ratificamos o entendimento de que não há impacto direto da atividade temporária de perfuração de um poço a 175 km da costa sobre as comunidades indígenas", diz o documento.

A população local e alguns ambientalistas alertam que a perfuração pode ameaçar manguezais costeiros e as vastas zonas ricas em peixes e plantas, ao mesmo tempo que perturba a vida dos 8.000 indígenas em Oiapoque, no extremo norte da costa brasileira.

O CCPIO, a mais alta autoridade indígena do Oiapoque, é composto por mais de 60 caciques, representando mais de 8.000 pessoas. Eles não se opõem à busca de petróleo em si, mas invocam o que dizem ser um direito de serem consultados pela Petrobras, com a fiscalização do MPF e da Funai.

A convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, diz que os governos devem consultar os povos indígenas e tribais por meio de suas instituições representativas, sempre que considerarem medidas legislativas ou administrativas que possam afetá-los diretamente.

Mudanças locais

Os planos de perfuração já estão mudando a cidade de Oiapoque. Ondas de trabalhadores migrantes chegaram à procura de emprego para uma indústria petrolífera que ainda não existe, disse o deputado estadual Inácio Monteiro (PDT).

Monteiro afirmou que se reúne frequentemente com indígenas, conversando com eles sobre os benefícios que a Petrobras poderia trazer ao Oiapoque, incluindo empregos, receitas de impostos e programas sociais. No entanto, o CCPIO e os seus aliados têm manifestado cada vez mais a sua resistência.

Na COP28, em dezembro, Luene Karipuna, 25, indígena do povo karipuna, do Oiapoque, disse em um painel que a Petrobras e os políticos locais tentaram silenciar o seu povo.

"Estrategicamente a consulta prévia é a nossa única segurança até agora", afirmou ao receber a Reuters perto de sua casa, na aldeia de Santa Izabel. Na região, áreas de floresta e pântanos ficam cheios de água do mar em certas épocas do ano.

Quando os rios ficam baixos, as marés trazem peixes de água salgada que os moradores comem, mas alguns deles temem que isso possa também trazer eventuais derramamentos de óleo.

Pressão política

Líderes indígenas disseram que um forte apoio de políticos locais à Petrobras foi demonstrado em uma audiência pública realizada em maio de 2023. O evento foi convocado por Monteiro poucos dias depois de a licença da Petrobras ter sido negada.

Políticos poderosos do Amapá, incluindo importantes aliados de Lula, reuniram-se por alguns dias na Câmara Municipal de Oiapoque para a audiência que promovia os planos de perfuração da Petrobras.

No evento, um homem de camisa polo branca e cocar de penas, Ramon Karipuna, afirmou à multidão que os indígenas eram a favor da perfuração, segundo a ata da reunião vista pela Reuters. Ele disse ter falado em nome do coordenador do conselho de caciques do CCPIO, ausente por "motivos de saúde".

Posteriormente, a Petrobras citou o apoio de Karipuna em seu apelo à licença de perfuração e o descreveu como um "representante do CCPIO".

No entanto, o coordenador do CCPIO, cacique Edmilson Oliveira, disse à Reuters que não estava doente naquele dia. O CCPIO recusou-se a participar do evento convocado às pressas, de acordo com uma carta de 18 de maio enviada em resposta ao convite de Monteiro para a audiência e vista pela Reuters.

"Essa é uma preocupação muito grande, por isso que a gente está falando que a gente já se sente ameaçado, aliciado, por essa situação", disse Oliveira, acusando a Petrobras de distorcer a visão das lideranças indígenas. "A gente nunca se sentou e entrou em acordo para alguma aprovação."

Em entrevista por telefone, Ramon Karipuna confirmou que trabalhava na prefeitura e que não é membro do CCPIO —embora a Petrobras tenha usado suas palavras como principal argumento ao Ibama de que os representantes indígenas apoiavam a perfuração.

Ele também recuou em seus comentários a favor da perfuração. "Até hoje, sobre o negócio de Petrobras, muita gente tem dúvida", disse.

Questionada sobre Karipuna não ser um representante do CCPIO, a Petrobras citou a ata da reunião de maio de 2023, sem dar mais detalhes.

Vista aérea de vila em terra indígena perto da foz do rio Amazonas
Vista aérea da vila de Santa Izabel, na Terra Indígena Uaçá, perto da foz do rio Amazonas, em Oiapoque (AP) - Adriano Machado - 23.mar.2024/Reuters

O recurso da Petrobras junto ao Ibama também atraiu o apoio do alto escalão do governo federal. Em setembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que o país deveria ser capaz de "pesquisar" os recursos potenciais da região. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, repetiu na semana que o "Brasil tem o direito de conhecer estas potencialidades".

Essas posições reforçaram a retórica otimista da Petrobras. "Prepara Amapá, que nós estamos chegando", disse o presidente da empresa, Jean Paul Prates, a políticos locais e executivos do petróleo em um evento no mês passado.

O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, disse em novembro que uma decisão seria tomada no início de 2024, embora a paralisação dos servidores ambientais tenha desacelerado o ritmo do licenciamento desde então.

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