Amazônia em pé vale até 7 vezes mais que exploração privada da floresta

Estudo do Banco Mundial ressalta ainda que produtividade urbana da região pode desacelerar desmatamento

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São Paulo

Para além da produtividade agrícola —uma aliada conhecida do combate ao desmatamento, à medida que inibe a expansão de terras—, o Banco Mundial propõe a produtividade urbana na Amazônia como estratégia para desacelerar o desmate, promovendo, ao mesmo tempo, desenvolvimento regional e nacional.

O memorando econômico "Equilíbrio Delicado para a Amazônia Legal Brasileira", publicado nesta terça-feira (9) pelo Banco Mundial, destaca ainda o valor da floresta amazônica mantida em pé, sete vezes superior ao da exploração.

"O desmatamento coloca em risco o valor da floresta em pé no Brasil, estimado em mais de US$ 317 bilhões (R$ 1,5 trilhão) por ano —o que equivale a até sete vezes mais que o valor estimado da exploração privada ligada à agricultura extensiva, à exploração madeireira ou à mineração", afirma o relatório, citando pesquisa publicada pelo economista Jon Strand, também do Banco Mundial.

Homens trabalham na montagem de motos usando macacões brancos
Linha de montagem de motos em fábrica da Honda no distrito industrial da Zona Franca de Manaus - Lalo de Almeida - 5.ago.2018/Folhapress

Enquanto o uso direto de recursos da floresta para exploração madeireira, mineração e agropecuária gera valores anuais privados que vão de US$ 43 bilhões até US$ 98 bilhões, os valores públicos regionais e globais gerados pela proteção ambiental somam US$ 317 bilhões.

O valor é calculado a partir dos serviços ecossistêmicos prestados pela floresta, como a geração de chuvas, necessárias para a agricultura da região, a proteção contra a erosão do solo e os incêndios, o armazenamento de carbono, que ajuda a regular o clima global, e a conservação da biodiversidade.

Segundo a mesma pesquisa, só os benefícios que abrangem a América do Sul já são estimados em até US$ 20 bilhões anuais.

O estudo recomenda "investir em infraestrutura urbana para reduzir as disparidades no padrão de vida em polos econômicos e de serviços", com objetivo de aumentar a competitividade das cidades como polos econômicos regionais.

"Uma ênfase maior na produtividade, principalmente em outros setores (que não estejam ligados à produção de commodities), impulsionaria o desenvolvimento em todo o país e ajudaria a fortalecer as economias da Amazônia, ao mesmo tempo que diminuiria a pressão sobre as florestas naturais", afirma Johannes Zutt, diretor do Banco Mundial para o Brasil.

O estudo identificou 20 potenciais polos econômicos na Amazônia Legal, definidos com base em critérios como população, distância e a atratividade de pelo menos outras cinco cidades.

Além das nove capitais dos estados da Amazônia Legal, os polos econômicos incluem a capital do Piauí, Teresina (que fica próxima à divisa com o Maranhão), e outras dez cidades de maior porte econômico da região.

"Belém, Imperatriz, Palmas, São Luís e Teresina parecem ter os melhores recursos espaciais, pois estão em municípios muito mais próximos dos mercados e apresentam densidades populacionais mais elevadas", descreve o estudo.

"Boa Vista, Macapá, Manaus e Rio Branco têm densidade populacional relativamente densa, mas fazem parte de municípios periféricos; portanto, requerem políticas diferentes", ressalva o estudo.

A pesquisa observa também que "os polos econômicos propostos parecem ter uma maior participação de universitários recém-graduados, o que também é um dos fatores-chave para o crescimento da produtividade urbana na Amazônia Legal".

Segundo o estudo, os polos econômicos seriam fundamentais para fomentar o crescimento da produtividade urbana da região, assim como outros polos, voltados à prestação de serviços.

Embora concentrem três quartos da população regional, as cidades amazônicas são densas e ocupam apenas 0,03% da Amazônia Legal. O desenvolvimento urbano não está intrinsecamente atrelado ao desmatamento, cujo crescimento nos perímetros urbanos da Amazônia está ligado às cadeias de valor, principalmente a agrícola, e à infraestrutura logística, em que se destaca o impacto das rodovias de conexão com o resto do país.

"Alcançar ganhos de produtividade em regiões com baixos recursos espaciais e alta emigração provavelmente será algo caro, uma vez que vai contra as forças do mercado. É provável que tais investimentos públicos em recursos espaciais não sejam suficientes para direcionar grandes investimentos privados para a região; logo, é possível que os benefícios tenham alcance local e curta duração", ressalva o estudo.

Para que grandes investimentos públicos gerem retornos, o Banco Mundial recomenda que eles acompanhem intervenções em gargalos estruturais do desenvolvimento local, como regulamentação fundiária e a melhoria do acesso a serviços de qualidade.

O estudo aponta que, apesar de haver um longo histórico de projetos para a integração da Amazônia Legal, falta ainda uma agenda definida sobre as cidades amazônicas, que podem ser, segundo o estudo, os principais atores econômicos e de prestação de serviços na Amazônia.

Além de acrescentar contribuições sobre o papel da economia urbana, o estudo também faz recomendações sobre o financiamento para a conservação e o desenvolvimento sustentável da Amazônia.

O estudo defende reformas no crédito rural —que deveria concentrar subsídios para pequenos produtores, condicionando o benefício a práticas agrícolas de baixo carbono— e também no ITR (Imposto Territorial Rural).

Segundo o Banco Mundial, o ITR gera incentivos perversos ao desmatamento e deveria ser atrelado à produtividade, ao CAR (Cadastro Ambiental Rural) e a uma avaliação independente, em substituição à autodeclaração atualmente feita pelo proprietário rural.

O estudo também recomenda cuidado na elaboração de acordos comerciais e cita como exemplo a negociação entre a União Europeia e o Mercosul, travada justamente por conta de preocupações ambientais.

"Eles podem prejudicar diretamente os estados amazônicos que dependem de isenções tributárias, especialmente o Amazonas, destacando ainda mais a necessidade de uma menor dependência de incentivos fiscais", alerta o Banco Mundial, que também reforça as preocupações sobre o risco de incentivo ao desmatamento ligado a commodities de exportação.

"Os acordos comerciais que incluem a liberalização agrícola continuarão a representar um risco para a conservação das florestas da Amazônia até que a maturidade econômica e institucional esteja suficientemente avançada", afirma o memorando.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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