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No Maranhão, novo 'pré-sal' ameaça a maior formação de recife de corais da América do Sul

Governo estadual defende exploração na bacia Pará-Maranhão e tenta liberar empreendimentos apesar de vetos do Ibama

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Luan Matheus Santana
Agência Pública

A possibilidade de explorar de 20 a 30 bilhões de barris de petróleo a 250 km da costa de São Luís, aposta da Petrobras, do governo do Maranhão e de empresários, esbarra na maior formação de recife de corais da América do Sul, o Parcel de Manuel Luís.

Parque estadual e berçário de várias espécies endêmicas e ameaçadas de extinção, o parcel é um dos ambientes recifais mais exuberantes da América do Sul. A exploração de petróleo também coloca em risco a maior linha contínua de manguezais do planeta, que vai do Amapá ao Maranhão.

Peixes nadam ao lado de corais
Parcel de Manuel Luís, formação de recifes de corais próxima a São Luís, no Maranhão - Léo Francini/Agência Pública

A "inviabilidade ambiental de empreendimentos que imponham riscos de olear a costa do Pará e do Maranhão e o Parcel Manuel Luís" motivou o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) a recomendar, em dezembro de 2019, a retirada de oito blocos da bacia Pará-Maranhão da 17ª Rodada de Licitações da ANP (Agência Nacional do Petróleo).

Os riscos foram reafirmados em fevereiro de 2020, em manifestação conjunta do MME (Ministério de Minas e Energia) e do MMA (Ministério do Meio Ambiente). A decisão segue em vigor, até a conclusão de estudos ambientais mais detalhados e emissão do parecer ambiental dos blocos da bacia. Mas o lobby pela exploração de petróleo continua.

Allan Kardec Duailibe Barros Filho, presidente da Gasmar (Companhia Maranhense de Gás) e principal articulador do governo do Maranhão para o tema, questiona a decisão do Ibama.

"A possibilidade de vazamento, pegando o histórico do Brasil nessa fase de exploração, é zero. Nunca houve. As leis ambientais do Brasil são rígidas demais. Hoje nenhuma empresa ousa sonhar em ter vazamento, porque suas ações desabam. Essa história é uma narrativa que se tenta impor", afirma.

Não é o que diz o professor da Uece (Universidade Estadual do Ceará) Alexandre Costa.

"Toda operação de petróleo produz enormes desequilíbrios. Não há operação de petróleo sem riscos", afirma Costa.

O cientista explica que, ao contrário do que diz Kardec, os desequilíbrios se manifestam logo na prospecção, ou seja, nas fases de estudos para identificação de petróleo submerso. "O uso de técnicas como as sísmicas, por exemplo, afeta animais que dependem de ecolocalização, e isso desestabiliza um conjunto de vidas que dependem disso", diz.

Peixes nadam perto de corais
Peixes no Parcel de Manuel Luís, formação de recifes de corais próxima a São Luís - Léo Francini/Agência Pública

Professor da Ufma (Universidade Federal do Maranhão) e ex-diretor da ANP, Kardec liderou o estudo científico, apoiado pela Fiema (Federação das Indústrias do Estado do Maranhão) e divulgado em janeiro de 2021, que "indicou a possibilidade da existência de 20-30 bilhões de barris de óleo em Recursos Prospectivos Recuperáveis Riscados (definição SPE/WPC)".

A nota "Um novo ‘pré-sal’ no Arco Norte do território brasileiro", que trouxe os resultados do estudo, também afirmou que, "em caso de algum derramamento de óleo (probabilidade mínima para um poço exploratório)", não haveria contaminação dos manguezais do Amapá e Pará, "pois a corrente norte brasileira é muito forte e carregaria qualquer material flutuante para um vórtice situado no meio do oceano Atlântico equatorial".

Um argumento perigoso na visão de Jorge Nunes, professor da Ufma e doutor em oceanografia. "Essa corrente é superficial, mas como isso funciona no fundo do mar? Há outros padrões de circulação?", questiona. "Sozinha, a corrente não vai ser suficiente para livrar o parcel ou a maior linha contínua de manguezais do planeta [que fica na mesma costa]."

Berçário de 53 espécies ameaçadas de extinção

Criado pelo decreto estadual nº 11.902, de 11 de junho de 1991, com 45.237,9 hectares, o Parque Estadual Parcel de Manuel Luís é vital para a sobrevivência de 53 espécies ameaçadas de extinção na bacia Pará-Maranhão, mais do dobro das espécies registradas na bacia do Amazonas (27 espécies).

Pelo menos 25% dessas espécies estão categorizadas como criticamente em perigo (13 no total), 15% como em perigo (8) e 60% como vulneráveis (32).

Em entrevista à Agência Pública, a superintendente de Biodiversidade e Áreas Protegidas da Sema (Secretaria Estadual do Meio Ambiente), Laís de Morais Rêgo Silva, porém, negou qualquer risco ao parque por conta de uma possível exploração de petróleo.

"Existem apenas dois blocos disponíveis para leilão que têm uma proximidade maior, mas com uma certa distância", diz a gestora.

Segundo ela, a instalação de empreendimentos desse tipo está condicionada a estudos de impacto ambiental com modelagem para eventuais vazamentos de óleos, "que ainda nem existem".

Costa, pós-doutor em ciências atmosféricas, destaca, contudo, que a expansão da produção de combustíveis fósseis (petróleo) acelera ainda mais o aquecimento global, o que pode ser letal para todo o conjunto de recifes de corais que hoje fazem da margem equatorial brasileira um patrimônio imprescindível à preservação da vida marinha.

"Isso pode ter consequências gravíssimas para vida marinha, e não apenas isso, porque sabemos a quantidade de vidas humanas que dependem da vida marinha, por meio da pesca, do turismo comunitário", afirma.

Esta reportagem foi produzida pela Agência Pública e publicada originalmente aqui. O trabalho é resultado das Microbolsas Petróleo e Mudanças Climáticas, realizadas pela Agência Pública em parceria com a WWF-Brasil. A 16ª edição do concurso selecionou jornalistas para investigar os blocos de exploração na região amazônica e seus impactos socioambientais.

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