Mudanças abruptas têm marcado as leis ambientais dos EUA

Medidas ora implantadas ora revogadas por democratas e republicanos geram incertezas e prejuízos à indústria

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Coral Davenport
The New York Times

A decisão da gestão Biden, na última quinta-feira (25), de limitar a poluição de usinas de energia a carvão é uma mudança política importante —e mais uma espécie de "curva fechada" em uma abordagem ziguezagueante na legislação ambiental dos Estados Unidos, um padrão que se tornou exarcebado à medida que o cenário político se polarizou.

Há quase uma década, o presidente Barack Obama foi o democrata que tentou forçar as usinas de energia a pararem de queimar carvão, o mais sujo dos combustíveis fósseis. Seu sucessor republicano, Donald Trump, reverteu esse plano.

Agora, o presidente Joe Biden está tentando mais uma vez acabar com as emissões das usinas de carvão. Mas Trump, que concorre para substituir Biden, promete excluir novamente esses planos se vencer as eleições em novembro.

Usina com fumaça saindo de chaminés
Usina Robert W Scherer, que gera energia a partir de carvão em Juliette, no estado americano da Geórgia - Chris Aluka Berry - 1º.abr.2017/Reuters

A participação do país no Acordo de Paris tem o mesmo caminho sinuoso: sob Obama, os Estados Unidos aderiram ao compromisso global de combater as mudanças climáticas, do qual os EUA seriam retirados por Trump e recolocados por Biden. Se Trump vencer a Presidência, é provável que o país saia do acordo. Novamente.

As políticas governamentais sempre mudaram entre as administrações democratas e republicanas, mas geralmente são endurecidas ou flexibilizadas dentro de um espectro, a depender de quem ocupa a Casa Branca. Na última década, porém, as regras ambientais têm sido especialmente alvo de um ciclo de mudanças bruscas.

"Nos velhos tempos, nos dias regulatórios da minha juventude, estávamos indo e voltando entre as linhas de 40 jardas", diz Douglas Holtz-Eakin, que dirigiu o Escritório de Orçamento do Congresso apartidário e agora dirige o American Action Forum, organização de pesquisa conservadora. "Agora, estamos indo e voltando entre as linhas de 10 jardas. Eles fazem e desfazem e fazem e desfazem."

Economistas e executivos dizem que essa nova era de mudanças bruscas torna difícil que as indústrias se planejem. Se há algo que as empresas gostam menos do que a regulamentação governamental, é de um clima de negócios instável.

"Se as mudanças regulatórias são apenas um choque ou uma reversão, isso cria um nível de incerteza que torna muito difícil construir uma economia vibrante", afirma Marty Durbin, vice-presidente sênior de política na Câmara de Comércio dos EUA, o maior lobby empresarial do país.

"Não se trata da regulamentação específica ou do candidato específico", diz Durbin. "Precisamos ter mais certeza a longo prazo sobre como os negócios serão regulamentados."

As curvas fechadas podem levar a investimentos perdidos, destaca Holtz-Eakin, uma vez que as empresas gastam para cumprir uma certa regra (por exemplo, desligando usinas de carvão ou construindo novas fábricas de veículos elétricos) e acabam com custos que não conseguem recuperar se as regras são revertidas —e logo restauradas quatro anos depois, não raramente com novos detalhes, prazos e requisitos técnicos.

"A mudança tem um custo", diz Holtz-Eakin. "Mesmo a desregulamentação tem um custo. Fazer e desfazer essas regras quatro vezes significa um custo quatro vezes maior." Ele estima o custo desse choque na economia em "facilmente bilhões e bilhões de dólares."

O ciclo de promulgação e revogação de regras ambientais limita sua capacidade de proteger o meio ambiente, diz também Holtz-Eakin.

Nos últimos quatro meses, a administração Biden endureceu e restaurou regras que Trump havia excluído, incluindo regulamentações para reduzir as emissões de gases de efeito estufa de carros e poços de petróleo e gás; para limitar a poluição de cinzas tóxicas de carvão; para proteger o habitat do tetraz-cauda-de-faisão e de outras espécies ameaçadas; e para apertar os controles de segurança em fábricas da indústria química.

Todas essas regras provavelmente serão enfraquecidas ou revertidas mais uma vez sob uma nova administração Trump.

Alguns economistas têm buscado medir os impactos econômicos do choque regulatório climático.

Costas Gavriilidis, que leciona na Universidade de Stirling, na Escócia, desenvolveu um Índice de Incerteza da Política Climática dos EUA, traçando os altos e baixos do governo federal na política climática. Ele disse que foi inspirado a criar o índice depois de assistir, incrédulo, do exterior aos EUA aderirem, saírem e depois voltarem ao Acordo de Paris em pouco mais de cinco anos.

Sua pesquisa mostra que sempre que o índice sobe para cerca de 50 pontos, ele cria um choque econômico de tal magnitude que leva a uma diminuição de 1,5% na produção industrial, um aumento de 0,4% no desemprego, um aumento de 2% nos preços das commodities e um aumento de 0,4% nos preços ao consumidor, refletindo o fato de que os produtores incorporam o risco de custos de produção mais altos associados à política climática incerta em seus preços.

Desde a Presidência de Trump, o índice de Gavriilidis permaneceu em seus níveis mais altos.

"Todas essas regulamentações estão ocorrendo em indústrias onde o capital é realmente importante — capital para gerar energia, reduzir a poluição, investir em um longo pipeline de pesquisa e desenvolvimento", diz Steve Cicala, codiretor do Projeto de Análise Econômica da Regulação do National Bureau of Economic Research.

"Se no futuro as regulamentações acabarem não sendo vinculantes, então essas empresas acabaram de desperdiçar muito dinheiro."

As montadoras concordam. No governo Obama, as principais montadoras reclamaram do custo para atender aos rígidos limites de poluição de escapamentos que foram projetados para acelerar a adoção de veículos elétricos não poluentes.

Depois de investir em veículos eficientes em energia, híbridos e elétricos, os executivos automotivos pediram a Trump para afrouxar ligeiramente as regras —mas não revogá-las completamente. No entanto, Trump fez exatamente isso.

No mês passado, Biden restabeleceu e expandiu os limites de emissões dos escapamentos, medida que Trump diz que vai reverter se voltar ao cargo.

Mas as montadoras dizem, a contragosto, que querem que as regras permaneçam. Uma das principais razões: as montadoras estão agora projetando os veículos que colocarão à venda até 2028, diz John Bozzella, presidente da Alliance for Automotive Innovation, que representa 42 empresas automotivas que produzem quase todos os novos veículos vendidos nos EUA.

A fabricação de veículos requer um investimento de capital inicial, e as empresas devem decidir neste ano quantos carros e caminhões a gasolina, híbridos e totalmente elétricos produzirão.

"Se esse planejamento está acontecendo agora e eu tomo uma decisão adiantando que daqui a três ou quatro anos haverá uma restrição de emissões, mas quando o modelo está no mercado a restrição desaparece, eu perco dinheiro", explica Bozzella.

"De repente, você muda as regras. O que eu devo fazer? Mudar a fábrica? Isso tem consequências diretas nos empregos ao longo da cadeia de suprimentos."

Martin Fischer é presidente da divisão das Américas do Grupo ZF, fabricante global que constrói peças automotivas e sistemas de tecnologia para carros fabricados pela General Motors, Ford e Stellantis em fábricas em Michigan, Wisconsin, Geórgia e outros lugares. Ele diz que sua empresa está fazendo apostas para navegar na incerteza regulatória em torno dos veículos elétricos nos EUA.

No ano passado, a empresa gastou US$ 500 milhões para modificar uma fábrica em Gray Court, na Carolina do Sul, para que pudesse fabricar transmissões para motores de combustão interna, bem como para híbridos e veículos totalmente elétricos.

"Estamos preparando ofertas de produtos para veículos elétricos, mas estamos planejando para oscilações de ida e volta", diz Fischer. "A clareza regulatória nos tornaria mais otimistas. Assumiríamos mais riscos e investiríamos mais dinheiro."

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