Plano para alargamento de praias na Paraíba avança sob críticas

Prefeitura de João Pessoa vê necessidade de conter erosão na orla e avalia aterro em até quatro praias

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Salvador

A prefeitura de João Pessoa avança com um projeto de contenção da erosão na orla da cidade —que deve incluir o alargamento artificial da faixa de areia em até quatro praias da capital paraibana, replicando experiências de aterros em outras cidades litorâneas do país.

O projeto é uma das prioridades do prefeito Cícero Lucena (PP), mas enfrenta resistência de ambientalistas, estudiosos e movimentos sociais. No início do mês, se tornou objeto de um inquérito civil do Ministério Público Federal.

Vista aérea da falésia do Cabo Branco
Vista aérea da falésia do Cabo Branco, em João Pessoa; prefeitura avalia possível aterro em praia da região - Prefeitura de João Pessoa / Divulgação

A proposta deve contemplar algumas das praias mais conhecidas de João Pessoa. Quatro trechos estão sob estudo: as praias de Manaíra, Bessa, Jacarapé e o trecho entre o Cabo Branco e a Ponta do Seixas, contornando a Falésia do Cabo Branco.

A intenção de alargar as praias foi anunciada pelo prefeito Cícero Lucena em outubro de 2021, com a justificativa de interromper a erosão e abrir espaços para fazer obras viárias. Em fevereiro, durante entrevista na Câmara Municipal de João Pessoa, o prefeito reiterou opção pelo aterro.

O projeto só começou a avançar em abril deste ano, quando a prefeitura contratou para fazer os estudos básicos a empresa catarinense Alleanza Projetos e Consultoria, a mesma responsável pelo alargamento da praia em Balneário Camboriú (SC).

A empresa foi contratada por R$ 275,5 mil na modalidade carta-convite. Está prevista a elaboração de um projeto conceitual que inclua proteção costeira e urbanização das áreas aterradas. O trabalho deve ser entregue em um prazo de até 90 dias.

Um mês antes da contratação, Lucena e secretários municipais visitaram a cidade catarinense. Em Balneário Camboriú, a obra de alargamento da praia custou R$ 66,8 milhões, durou nove meses e aumentou a faixa de areia de 25 para 70 metros.

Em João Pessoa, a estimativa inicial de custo para as obras nos quatro trechos é de R$ 200 milhões. Levando também em conta o pacote de obras viárias e de infraestrutura na orla, o orçamento chegaria a R$ 400 milhões.

A despeito das estimativas, a prefeitura informa que só os estudos vão apontar qual será a melhor alternativa em cada região da orla, e que não necessariamente adotará a engorda da faixa de areia.

Rubens Falcão, secretário municipal de Infraestrutura e responsável pelo projeto, diz que o foco central da prefeitura é reduzir o impacto do avanço do mar. Também destaca que o projeto será tocado sem pressa, com debate público e autorização dos órgãos competentes.

Desde gestões anteriores, a prefeitura da capital paraibana estuda formas de contenção da erosão na orla. Uma das opções avaliadas foi a construção de um quebra-mar a cerca de 200 metros da costa, mas houve um entendimento de que haveria um alto impacto ambiental.

O secretário municipal de Meio Ambiente, Welison Silveira, diz que o alargamento da faixa de areia é visto com bons olhos pela gestão municipal, sobretudo para a praia de Manaíra, onde há uma demanda de requalificação da orla com ampliação da pista e do calçadão.

"Todos os estudos apresentados nas gestões passadas indicam que alargamento das praias é uma das soluções menos impactantes do ponto de vista ambiental", afirma Silveira.

Para a região da falésia do Cabo Branco, o prefeito chegou a indicar a possibilidade de construção de uma pista contornando a barreira que ligaria o Cabo Branco até a Ponta do Seixas, região conhecida por ser o extremo oriental da América do Sul.

O secretário Welison Silveira, contudo, diz que um possível aterro na região é improvável. A área abriga a sede da Estação Cabo Branco, complexo projetado por Oscar Niemeyer que inclui o Museu da Ciência, além de equipamentos turísticos como o Farol do Cabo Branco e o Bosque dos Sonhos.

A proposta de aterro nas praias é criticada por especialistas, que defendem a realização de estudos mais aprofundados em toda a costa da Paraíba e um diagnóstico ambiental completo antes de iniciar as obras.

"A nossa crítica não é sobre a engorda da praia em si, mas sobre a forma como está sendo feita, sem um estudo adequado. O estado e Pernambuco, por exemplo, sofrem há mais de duas décadas com obras que foram malfeitas e mal dimensionadas", afirma Saulo Vital, professor do Departamento de Geociências da UFPB (Universidade Federal da Paraíba)

Na avaliação do professor, é preciso conhecer a dinâmica da costa para identificar quais as melhores soluções de mitigação da erosão. O prazo de 90 dias também é apontado como curto para chegar a um diagnóstico completo.

Também há o temor de possíveis impactos em áreas sensíveis da costa, sobretudo nas praias do Bessa e Manaíra, região de desova das tartarugas-de-pente, espécie considerada em perigo pelo Ministério do Meio Ambiente.

"Existem recifes que ficam perto da costa e são usados como áreas de alimentação das tartarugas", explica a bióloga Danielle Siqueira, presidente da Associação Guajiru, que atua na preservação das tartarugas marinhas na região.

O Ministério Público Federal instaurou um inquérito civil para apurar a engorda da orla e destacou a ausência de informações claras dos gestores municipais sobre o projeto. A prefeitura diz que vai prestar as devidas informações e trabalhar em sintonia com a Procuradoria.

No campo político, a proposta foi criticada por possíveis adversários de Cícero Lucena na eleição do próximo ano.

O deputado federal Ruy Carneiro (PSC) disse que "fazer engorda da praia apenas por fazer" é uma atitude irresponsável, e acusa a gestão municipal de investir milhões no projeto sem realizar um estudo de impacto ambiental.

Cida Ramos (PT), deputada estadual, disse que vê o projeto como um primeiro passo para a reverter a legislação municipal que impede a construção de prédios com mais de três andares na orla. O ex-prefeito e deputado Luciano Cartaxo (PT) classificou a possível engorda das praias como um "crime ambiental".

O projeto conceitual deve ser entregue ao município no mês de agosto. A partir dele, a gestão municipal deve contratar a execução das obras, que ainda não têm um prazo de entrega.

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