Brasil vê ameaça às exportações de commodities em taxa de carbono para navios

É uma taxa sobre a distância, afirmou Itamaraty na Organização Marítima Internacional

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Londres

Se todos os navios do mundo se submeterem a uma taxa global sobre cada tonelada de carbono emitida, alguns terão que pagar mais caro: aqueles que estão mais longe dos seus mercados. Esse foi o cerne do argumento brasileiro para barrar a proposta discutida esta semana na sede da Organização Marítima Internacional (IMO), em Londres.

Além da perspectiva de forçar o setor a buscar energias renováveis, a proposta de taxar navios pela emissão de carbono ganhou força nos últimos meses por conta de outra promessa: a de levantar fundos para financiamento climático de países em desenvolvimento.

Pela visão brasileira, as nações desenvolvidas teriam encontrado no fórum marítimo uma brecha para responsabilizar todos os países pelo financiamento climático. Pelo Acordo de Paris, o critério se baseia na responsabilidade histórica dos países pelas emissões que geraram a crise climática, o que concentra a conta em cima dos países ricos —que, por sua vez, tentam dividi-la com as economias emergentes, especialmente a China.

Navio visto de cima
Navio no porto de Santos (SP) - Reprodução

Os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) são contrários à taxa de carbono para navios. O argumento de que ela afeta desproporcionalmente países em desenvolvimento aumentou a rejeição nas negociações, manifestada também por países da América Latina, África e Ásia.

"Uma cobrança universal é uma taxa sobre a distância. Até que os combustíveis neutros em emissões estejam amplamente disponíveis levará tempo e, então, pode ser tarde demais para algumas economias", defendeu na plenária inicial da IMO o representante do Itamaraty.

"A América Latina e a África estão distantes dos polos comerciais, o que é consequência da história, resultado direto do legado colonial", acrescentou.

A tática brasileira nas negociações ao longo desta semana buscou adiar os prazos de escolha de um modelo de precificação do carbono.

A expectativa da IMO era concluir nesta semana —após seis meses de discussões— a definição do mecanismo econômico.

No entanto, a decisão que foi publicada nesta sexta-feira (7) deixa para 2025 a adoção de algum tipo de precificação. Até lá, a IMO deve encomendar amplas avaliações de impacto sobre diferentes modelos de taxação, o que deverá basear a decisão futura.

O encontro da organização nesta semana, porém, atingiu consenso sobre o objetivo de zerar as emissões líquidas do setor até por volta de 2050, o que representa um salto em relação ao compromisso anterior, de reduzir apenas pela metade as emissões até a metade do século.

O Brasil divulgou nas negociações um estudo da USP (Universidade de São Paulo) publicado neste ano que usou modelos matemáticos para estimar os impactos de uma taxa de carbono de US$ 50/tonelada. A pesquisa concluiu que, embora a taxa implicasse na redução de cerca de 7% das emissões de carbono do setor, ela também teria um impacto maior nas economias dos países em desenvolvimento.

Enquanto o impacto sobre o PIB global seria de apenas -0,02%, ele chega a -0,13% entre os países que estão fora da OCDE (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento).

O estudo foi criticado por defensores da taxação, como o bloco de países desenvolvidos e os países mais vulneráveis ao clima e as pequenas ilhas.

Na avaliação de observadores das negociações ligados à agenda climática, os estudos sobre os impactos da taxa de carbono nas exportações precisam considerar os impactos das mudanças climáticas, cujos efeitos catastróficos já aumentam os custos dos países e impactam suas economias.

"Nós já estamos pagando os custos, com a perda de território e de vidas", afirmou à Folha Albon Ishoda, enviado especial pela descarbonização dos navios das Ilhas Marshall, que estão entre as nações mais vulneráveis às mudanças climáticas.

O país também é um dos autores da proposta de cobrar US$ 100 por tonelada de carbono emitido por navios como forma de financiar os custos da transição climática nos países mais vulneráveis.

Para o secretário-geral da IMO, o sul-coreano Kitack Lim, a taxação sobre o carbono será inevitável nos mercados, enquanto, nas negociações diplomáticas, os países têm uma chance de encontrar uma solução mais justa.

"A União Europeia está adotando taxas de carbono [através do mercado], então de qualquer forma as exportações serão afetadas, mas o dinheiro, nesse caso, fica com os europeus. Aqui temos uma chance de potencialmente criar um fundo e definir como ele será usado, inclusive para preparar e compensar os países nessa transição", afirmou Lim à Folha.

De acordo com membros da representação brasileira, a melhor solução para o país seria que a IMO não adotasse nenhuma medida sobre o clima. Com representação da Marinha, da Petrobras e da Vale, a delegação brasileira baseia sua posição na proteção pragmática do seu mercado exportador, que absorveria o custo da taxa de carbono, na forma de um aumento do frete.

Um estudo realizado pela South China University of Technology confirma a estimativa brasileira de que a taxa de carbono prejudica mercados mais distantes.

"Como distâncias mais curtas podem ter menos emissões por tonelada, o imposto sobre o carbono marítimo pode alterar significativamente os padrões de comércio, resultando na crescente dependência da China de países próximos, por exemplo, Índia e Austrália, para a importação das principais commodities", afirma o artigo publicado Journal of Marine Science and Engineering.

Já um estudo da WWF em parceria com a Coppe/UFRJ modelou os impactos da taxação do carbono dos navios na exportação de diferentes commodities brasileiras: café, minério de ferro, açúcar, petróleo e soja em grão.

Os cafeicultores seriam os mais afetados pela perda de competitividade internacional, de acordo com a pesquisa. A demanda de açúcar e soja também diminuiria, mas, segundo o estudo, com impactos modestos.

Caso absorva os custos da taxação, o produtor brasileiro de commodities perderia em média 0,05% da renda —no cenário mais custoso. O estudo se baseia em dados da economia brasileira de 2011.

Após avaliar diversos cenários de taxação, o estudo conclui que os setores só passariam a perder lucratividade com taxas acima de US$ 30 por tonelada de carbono emitida.

Ainda segundo a pesquisa, o setor de extração de minério de ferro, dominado pela Vale, teria facilidade para absorver os custos em qualquer dos cenários de taxação, devido às altas margens de lucro, mantidas mesmo quando sob efeitos sazonais do preço da commodity.

Questionada pela Folha, a Vale não respondeu sobre sua posição em relação à taxação do carbono. A mineradora se limitou a dizer que está comprometida em reduzir as emissões de gases-estufa e que apoiará a indústria marítima para alcançar as metas estabelecidas pela IMO.

A jornalista viajou a convite do Global Strategic Communications Council (GSCC).

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