China rejeita pedido dos EUA para ação climática mais rápida

Americanos esperavam compromisso para diminuição do uso de carvão

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Lisa Friedman Chris Buckley Keith Bradsher
Pequim | The New York Times

Líderes chineses rejeitaram as tentativas de John Kerry, o enviado climático do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de fazê-los se comprometer com uma ação climática mais firme durante três dias de negociações em Pequim, uma resposta que sugere que as tensões entre os países estão dificultando a ação conjunta na crise que ameaça o planeta.

Kerry saiu no final da quarta-feira (19) sem novos acordos das longas negociações em Pequim. O presidente chinês, Xi Jinping, insistiu em um discurso de que a China seguiria com seus objetivos de eliminar gradualmente a poluição por dióxido de carbono em seu próprio ritmo e à sua maneira.

Ainda assim, Kerry pareceu animado com o fato de os dois maiores poluidores do mundo terem reiniciado as discussões, que estavam congeladas havia um ano por causa das relações tensas sobre Taiwan, de questões comerciais e outras. Ele insistiu que não ficou decepcionado com o resultado, observando que apenas conversar já indica progresso.

Os dois dão aperto de mãos em uma sala
John Kerry, enviado especial do clima dos EUA, em encontro com Li Qiang, primeiro-ministro chinês, em Pequim nesta terça (18) - Florence Lo/Pool/AFP

"Tivemos conversas muito francas, mas viemos aqui para abrir novos caminhos", disse Kerry, acrescentando: "É claro que precisaremos de um pouco mais de trabalho".

Não é exagero dizer que a extensão do aquecimento global depende de decisões tomadas pela China e pelos Estados Unidos. A China é hoje responsável por quase um terço das emissões globais, mais do que todos os outros países desenvolvidos juntos.

Para evitar as piores consequências de um mundo em aquecimento, é fundamental que os Estados Unidos, o maior emissor mundial histórico, trabalhe com a China para reduzir as emissões de carbono, dizem os especialistas.

As negociações em Pequim ocorreram no momento em que o mundo marcava as duas semanas mais quentes já registradas, e Kerry pediu aos líderes chineses que considerem o calor escaldante em partes da China, Europa e Estados Unidos como um sinal de coisas piores que ocorrerão se eles não conseguirem reduzir as emissões de gases do efeito estufa.

Kerry esperava convencer a China a reduzir suas emissões de carbono em um cronograma mais rápido e a eliminar rapidamente o intenso uso de carvão, o combustível fóssil mais sujo.

Enquanto os Estados Unidos geram 14% das emissões globais de carbono, a China é responsável por 31% e sua poluição aumenta a cada ano. A China disse que atingirá o pico de emissões antes de 2030 e deixará de adicionar carbono à atmosfera até 2060.

Mas os cientistas dizem que os países industrializados precisam fazer cortes acentuados nas emissões de carbono já, para evitar os impactos mais catastróficos da mudança climática.

Xi, que não se encontrou com Kerry durante a visita do enviado americano esta semana, disse que a China seguirá seu próprio cronograma para a redução de emissões. "O caminho e os meios para alcançar esse objetivo, o ritmo e a intensidade devem ser e serão determinados por nós mesmos, e nunca sob a influência de outros", disse ele num discurso na quarta, segundo o jornal oficial Diário do Povo.

Kerry respondeu no final do dia à declaração de Xi, dizendo que os Estados Unidos não estão "ditando" à China ou a qualquer país. "Se algo está ditando, é a ciência", disse ele. "Todos nós devemos ser informados e conduzidos pelo nível da ciência."

Mais tarde, Kerry rejeitou a ideia de que os Estados Unidos poderiam ou mesmo deveriam obrigar a China a fazer mais. "Você não chega quebrando e começa a empurrar as pessoas", disse ele. "Você conversa, constrói um relacionamento. Você dá às pessoas uma justificativa para fazer algo baseado nos interesses delas mesmas."

Kerry observou que os Estados Unidos e a Europa também estão lutando para se afastarem dos combustíveis fósseis. "É difícil", afirmou ele. "Nós reconhecemos isso."

Ele disse que há uma série de áreas de acordo, inclusive em torno do objetivo de impedir que as temperaturas médias globais subam mais de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais. Esse é o limite além do qual os cientistas dizem que incêndios florestais, inundações, calor e seca cada vez mais graves ultrapassarão a capacidade de adaptação da humanidade. O planeta já aqueceu 1,2°C.

As discussões com os líderes chineses sobre a expansão do carvão no país estão entre as mais desafiadoras, disse Kerry.

A China construiu uma série de novas usinas movidas a carvão nos últimos dois anos, mantendo o país em seu uso contínuo. Kerry tentou, sem sucesso, incitar a China a reduzir o uso de carvão e implementar um plano para reduzir o metano, poderoso gás de efeito estufa que vaza de poços de petróleo e gás e minas de carvão.

Ao mesmo tempo, a China está construindo mais fontes de energia solar, eólica e outras renováveis do que todos os outros países juntos.

Joanna Lewis, professora da Universidade de Georgetown especializada em política energética da China, chamou de "construtivo" que os Estados Unidos e a China pareçam estar focados em como expandir o uso de energia renovável e abordar questões de segurança energética e escassez de eletricidade, em vez de simplesmente pressionar Pequim a acelerar a eliminação do carvão.

"A China está realizando um experimento nacional para implantar energia renovável em níveis que nenhum outro país jamais conseguiu alcançar", disse Lewis.

Kerry é o mais recente de vários membros do governo Biden a viajar para Pequim num esforço para estabilizar as relações, depois que meses de rancor entre os dois países as levaram ao ponto mais baixo em décadas.

Diferentemente das visitas do secretário de Estado, Antony Blinken, e da secretária do Tesouro, Janet Yellen, a viagem de Kerry foi mais para negociações detalhadas do que para estabelecer um novo tom e patamar para as relações bilaterais. Com exceção de três reuniões com líderes chineses no Grande Salão do Povo, Kerry e sua equipe passaram a maior parte de sua visita numa sala de conferências do Beijing Hotel discutindo diferenças com os negociadores climáticos chineses.

Ao longo das negociações, Kerry instou as autoridades de Pequim a separar a mudança climática dos desafios mais amplos no relacionamento, argumentando que a urgência da crise climática exige que os dois países façam mais.

"O clima deve ser autônomo, porque é uma ameaça universal para todos no planeta", disse Kerry a Han Zheng, vice-presidente chinês, na quarta-feira.

Mas Wang Yi, um alto funcionário de relações exteriores que assessora Xi, disse a Kerry na terça que a cooperação da China com os Estados Unidos sobre o clima "não pode ser separada do ambiente mais amplo das relações China-EUA", de acordo com o resumo oficial chinês de suas conversas.

Thom Woodroofe, membro sênior da Asia Society, chamou a visita de Kerry à China de "uma pequena vitória para a estabilização das relações Estados Unidos-China".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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