Girafas importadas por zoológico do RJ estão sem destino há mais de um ano e meio

Trazidos da África do Sul, animais vivem em espaços de 600 metros quadrados; Ibama não definiu para onde serão levados

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Rio de Janeiro

Há mais de um ano e meio, 15 girafas sul-africanas vivem entre cercas, dentro do resort de luxo Portobello, em Mangaratiba, na Costa Verde do Rio de Janeiro.

A milhares de quilômetros do país natal, elas aguardam a transferência para um novo local, mais adequado às suas necessidades. A decisão de para onde vão, no entanto, ainda não foi tomada, em meio a imbróglios judiciais.

O Ibama, responsável por fiscalizar as girafas, diz que ainda avalia uma solução. O BioParque do Rio, que cuida dos animais, afirma que segue protocolos de segurança e procedimentos que prezam pelo bem-estar. Enquanto isso, quatro réus respondem na Justiça Federal por acusações que vão de maus-tratos a fraude de importação.

Na foto, três girafas se alimentam dentro de um espaço cercado por muros. Área tem cerca de 600 metros quadrados
Mais de um ano e meio depois, girafas de Mangaratiba continuam no resort Portobello e não há previsão para onde serão levadas; MPF denunciou responsáveis por maus-tratos e fraude na importação dos animais - BioParque/Divulgação

As girafas chegaram ao Brasil em 11 de novembro de 2021. Originalmente, eram 18 e ficariam de forma temporária em Portobello até serem transferidos para o BioParque, o zoológico do Rio. Pouco mais de um mês depois, em 14 de dezembro, cinco fugiram do confinamento.

Na ação para capturá-las, três girafas morreram. As mortes, porém, só foram comunicadas 50 dias depois, levantando a suspeita das autoridades.

A Polícia Federal e o Ministério Público Federal abriram inquéritos e constataram que os animais haviam sofrido maus-tratos, teriam sido retirados da vida selvagem e tiveram o processo de sua importação adulterado.

Segundo a necrópsia feita por veterinários do próprio BioParque, a morte das três girafas foi causada por uma doença muscular chamada miopatia. Na denúncia apresentada à Justiça Federal, a promotoria apontou que a mazela foi motivada por sofrimento intenso e estresse extremo.

"As girafas, após serem retiradas da natureza, estavam em cubículos, chegando cada uma a ficar em um espaço de 10 m2, situação de confinamento claustrofóbico", disse, no documento, o procurador responsável pelo inquérito, Jaime Mitropoulos.

De acordo com o Ministério Público Federal, as girafas sofreram maus-tratos até, pelo menos, maio do ano passado, quando o resort e o BioParque fizeram obras de readequação.

Segundo o Inea (Instituto Estadual do Ambiente), que acompanhou essas intervenções, as girafas vivem hoje em recintos que variam de 650 m2 a 990 m2. Separadas em cinco espaços —divididas em cinco grupos de três—, elas têm acesso livre a uma área externa, que conta com água e comida.

O novo local segue as orientações do Ibama, que determinam que os recintos tenham, no mínimo, 600 m2. À Folha, o instituto disse que as girafas têm cerca de quatro metros de altura, pesam mais de 600 quilos e são extremamente sensíveis. Esse é um dos motivos, segundo o órgão, para que a transferência dos animais para fora do resort ainda não tenha sido feita.

"Qualquer transporte exige cuidado, por colocar a vida dos animais em risco devido ao estresse", afirmou o Ibama, em nota.

O segundo motivo, diz o instituto, é que ainda não foi encontrado um local adequado. O Ministério Público chegou a pedir, em janeiro de 2022, que elas fossem devolvidas à África do Sul. Porém, com o passar dos meses, a viagem a um outro continente e a readaptação à vida selvagem poderiam colocá-las em risco.

Com as denúncias, o Ibama também vetou a transferência dos animais para o BioParque, como seria feito originalmente. Agora, o órgão procura um santuário —como são chamados os locais de acolhimento de bichos— dentro do Brasil que possa acolhê-las.

Briga judicial

O inquérito do Ministério Público Federal, com base em documentos do Ibama, aponta que a importação dos animais foi ilegal e baseada em informações falsas. A investigação indica que os empreendedores que trouxeram os animais usaram um "fictício projeto conservacionista para justificar a vinda das girafas, disfarçando assim o intuito comercial da atividade".

O Ministério Público afirma ainda que constava no documento de importação que os animais eram oriundos da vida livre —isto é, eram selvagens e foram capturados. Só essa informação já seria um impeditivo para a importação ao Brasil, pois contraria normas do Ibama.

Soma-se a isso, conforme a denúncia, o uso de documentos no processo de importação que atestavam que o resort Portobello, onde as girafas ficariam confinadas, era adequado —o que foi apontado depois, pelos órgãos de fiscalização, que não era verdadeiro.

Segundo o Ibama, as girafas são "nascidas em vida livre em fazenda com manejo sustentável" —ou seja, viviam dentro de uma propriedade de área ambiental, mas não nasceram em cativeiro. Elas foram importadas pela empresa Impex Wildlife a pedido do zoológico do Rio.

De acordo com o BioParque, apenas quatro girafas iriam ficar no empreendimento do Rio. Parte das demais seria levada a zoológicos de Pomerode, em Santa Catarina, e outra parte continuaria em Portobello. O resort de luxo tem serviço de safári para clientes, mas negou que as girafas estejam agora em exposição.

No processo, o BioParque afirmou que as instituições reembolsariam o zoológico do Rio pelos custos da importação das girafas. Esse é outro ponto questionado pela Promotoria, que entende que trazer os animais para expô-los em zoológico e safari, sem ter motivos comprovados de preservação da espécie, faz com que a importação tenha caráter de fins comerciais —o que também contraria normas do Ibama.

Em março deste ano, o Ministério Público enviou a denúncia à Justiça Federal do Rio e indiciou quatro pessoas envolvidas no caso.

O diretor de operações do BioParque, Manoel Browne de Paula, e o consultor técnico da empresa, Cláudio Hermes Mass, foram acusados de maus-tratos, de dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público —pela demora em comunicar a morte das três girafas— e de adquirir animais de forma irregular.

Já o analista do Ibama Hélio Bustamante Pereira de Sá e a servidora do Inea Priscila Diniz Barros de Almeida foram indiciados sob suspeita de terem elaborado documentos falsos para viabilizar a importação.

A defesa de Cláudio negou as acusações de maus-tratos e afirmou que o inquérito foi baseado em documentos do Ibama que foram contestados pelo próprio órgão. Também procurada, a defesa de Priscila não respondeu aos questionamentos da reportagem.

A Folha não conseguiu contato com os advogados de Manoel e Hélio.

Em nota, o BioParque afirmou que seguiu rigorosamente as normas brasileiras e sul-africanas para trazer as girafas. A empresa também negou as acusações de que os animais tenham sido retirados da natureza.

"Documentos oficiais emitidos pelo governo da África do Sul atestam que os animais viviam em uma fazenda de manejo sustentável, aprovada pelos órgãos oficiais do país", afirma a empresa.

Já no âmbito da Justiça estadual, corre também um processo para que entidades da sociedade civil possam fiscalizar a situação das girafas e monitorá-las. Hoje, o acesso aos animais é restrito aos técnicos do Ibama e do BioParque.

A ação é movida pelo Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal e pela Anda (Agência de Notícias de Direitos Animais). As duas organizações também são signatárias de um abaixo-assinado para que as girafas sejam levadas a um santuário no Centro-Oeste, cujo clima se aproxima mais da savana africana. O documento já tem mais de 24 mil assinaturas.

"Uma girafa pode caminhar por dia 20 km. Elas foram sequestradas ainda bebês e compradas a um preço irrisório de R$ 59 mil. É como pegar um bebê e trancá-lo num quarto para o resto da vida, é esse o sofrimento que essas girafas estão passando", diz a presidente da Anda, Silvana Andrade.

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