Ricardo Felício, que nega causa humana da mudança climática, será demitido da USP por faltas

Professor não responde a contatos da universidade e posterga exoneração; reportagem não conseguiu localizá-lo

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Lisboa

Um dos nomes mais conhecidos do negacionismo climático no Brasil, o professor Ricardo Augusto Felício, 53, será demitido da USP (Universidade de São Paulo). A reitoria da instituição acatou a decisão tomada após um processo disciplinar contra o docente, que se recusou a dar aulas, mesmo que virtuais, durante a pandemia de Covid-19.

A dificuldade agora é notificar Felício, que não responde aos contatos da USP por carta, telefone ou e-mail.

"A citação é uma parte fundamental. Agora já não falta nada para concretizarmos a demissão, só a ciência dele. Só que ele deve estar muito bem amparado juridicamente e está se esquivando dessa notificação", diz Paulo Martins, diretor da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas).

Contratado pela USP em 2007, Felício ministrava a disciplina de climatologia no curso de geografia. Ele nega que as atividades humanas causem as mudanças climáticas —contrariando a produção científica abundante que demonstra que as emissões de gases-estufa ligadas à humanidade têm relação com o aumento global de temperaturas.

Retrato de Felicio ao ar livre
O climatologista Ricardo Felicio, demitido pela USP - Fabio Braga - 11.mai.2012/Folhapress

"Seria ótimo se nós conseguíssemos notificá-lo via redes sociais ou no chat do YouTube, onde ele continua ativo. O cara não sai da internet", ironiza Martins, que diz que a universidade deverá avançar com um processo judicial para realizar a notificação.

Procurado, Felício não respondeu aos pedidos de contato da reportagem.

Segundo o processo disciplinar, Ricardo Felício se recusou a dar qualquer aula desde o começo da crise sanitária e, mesmo assim, continuou a receber normalmente o pagamento pelo trabalho. Contratado em regime parcial, ele deveria ministrar 12 horas semanais, com remuneração atual de cerca de R$ 2.814 mensais.

O abandono dos compromissos do magistério contrasta com a intensa atividade nas redes sociais e em eventos para questionar que as mudanças climáticas sejam causadas pela humanidade.

As restrições de Felício às atividades docentes não parecem ter sido motivadas por preocupações com os riscos da Covid-19. O professor publicou diversos vídeos questionando a gravidade da pandemia, chamada por ele pejorativamente de "fraudemia".

Devido à disseminação de desinformação, a Justiça determinou, em 2021, a remoção do YouTube de dois vídeos produzidos por ele. Além da Covid-19 em si, Ricardo Felício, que é formado em meteorologia, também passou a atacar as vacinas e o uso de máscaras, mais uma vez contrariando toda a farta evidência científica.

Felício coleciona ainda vídeos com abordagem conspiratória e ataques a instituições como o IPCC, o painel de cientistas do clima da ONU.

De acordo com Martins, a universidade deve avançar com um processo pelo ressarcimento dos valores repassados sem que Felício trabalhasse. O diretor da FFLCH relata também que a situação prejudicou alunos e outros professores, que ficaram sobrecarregados com o acúmulo das funções. "Do ponto de vista trabalhista, o que ele fez é inominável, é terrível."

A aprovação da demissão permitirá retirar Ricardo Felício formalmente dos quadros de professores da faculdade, o que abrirá caminho para a contratação de um substituto.

"Abrir um concurso para a contratação de professor na USP não é fácil, não é só colocar um anúncio na internet. É preciso justificar isso muito bem para o Tribunal de Contas do Estado", diz Martins.

Nas redes sociais, diversos ambientalistas comemoram a demissão do negacionista climático.

Apesar da vinculação a uma das prestigiosas universidades do Brasil, sua carreira acadêmica foi marcada pela baixa produtividade. Seus poucos artigos científicos foram publicados em revistas com baixo fator de impacto.

Em 2014, Felício foi reprovado no concurso para a livre-docência, titulação acadêmica que atesta "notório saber" e é pré-requisito para cargos de professor titular em várias universidades. O exame é uma maratona de avaliações que envolve quatro dias de prova e uma banca composta por cinco professores.

"É efetivamente o ápice da carreira institucional", diz Martins. "O fato de ele ter sido reprovado mostra que a produção acadêmica e o posicionamento dele não eram condizentes com a progressão na USP."

Apesar do baixo desempenho em pesquisa e ensino, o jeito comunicativo e articulado do meteorologista, combinado às declarações polêmicas, contribuíram para que ele ganhasse espaço em programas de rádio e televisão —e posteriormente em diversos vídeos na internet.

Em 2012, Felício teve destaque após ser entrevistado por Jô Soares, na Rede Globo, quando voltou a atacar, sem embasamento, a influência humana no aquecimento global.

Na última década, o discurso inflamado contra as mudanças climáticas passou a ser acompanhado também de declarações políticas e de retórica antivacina.

Sob o nome "Prof. Ricardo Felício", o meteorologista foi candidato a deputado federal em 2018 pelo PSL, então partido de Jair Bolsonaro. Ele recebeu 11.163 votos e não se elegeu.

Depois de vender videoaulas e um curso pela internet, Felício aparece também listado como orador em uma empresa que faz o agenciamento para organização de palestras.

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