Descrição de chapéu The New York Times

Ilha do Havaí processou petroleiras em 2020, citando riscos de incêndio

Condado pede indenização de Exxon, Chevron e outras gigantes do petróleo e gás

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Hiroko Tabuchi
The New York Times

As palavras foram surpreendentemente prescientes: por causa da mudança climática, a exuberante e verdejante Maui, no Havaí, estava enfrentando incêndios florestais de "frequência, intensidade e força destrutiva aumentadas".

Elas constavam de um processo movido em 2020 pelo condado de Maui que pedia indenização da Exxon, Chevron e outras gigantes do petróleo e gás, acusando-as de um "esforço coordenado e multifacetado para ocultar e negar seu próprio conhecimento" de que a queima de combustíveis fósseis aqueceria o planeta a extremos perigosos.

Agora, depois que incêndios florestais provocados por condições ligadas à mudança climática devastaram a ilha havaiana, o processo ganha um peso renovado.

Os incêndios em Maui "são evidências claras e concretas de algo que de outra forma poderia parecer abstrato", que poderão "fortalecer muito" o caso de Maui, disse Naomi Oreskes, professora de história da ciência em Harvard que escreveu sobre desinformação sobre mudanças climáticas.

Vista aérea de locais queimados
Casas e carros queimados em Lahaina, na ilha de Maui, no Havaí; mais de 110 pessoas morreram em incêndio da última semana - Justin Sullivan/Getty Images via AFP

Mas, ela alertou, "durante décadas, a indústria de combustíveis fósseis trabalhou para minar a compreensão científica da mudança climática e seus efeitos nocivos. Uma maneira de fazer isso, repetidamente, é questionar a ligação entre a mudança climática em geral e consequências danosas específicas".

Ryan Meyers, vice-presidente sênior e conselheiro geral do Instituto Americano do Petróleo, um grupo de lobby da indústria, classificou os incêndios florestais de Maui como uma tragédia, mas enfatizou que sua causa imediata ainda está sob investigação.

Ele chamou o litígio movido por Maui como parte de uma "campanha coordenada para abrir processos sem mérito contra a nossa indústria" e "nada mais que uma distração de questões importantes e um enorme desperdício de recursos dos contribuintes".

Maui está entre mais de duas dúzias de estados e municípios, incluindo Honolulu, que fica a cerca de 160 quilômetros de Maui, que estão processando as empresas de combustíveis fósseis por danos climáticos.

Esta semana, um grupo de jovens do estado de Montana ganhou um processo histórico depois que um juiz decidiu que a falha do estado em considerar a mudança climática ao aprovar projetos de combustíveis fósseis era inconstitucional.

Embora ações como a movida por Maui tenham sido adiadas por questões processuais, os incêndios podem ser uma parte importante do pedido de indenização do condado se o caso for a julgamento, disseram juristas. Os argumentos de Maui também devem ressoar com um júri local.

"Aqui no Havaí, as pessoas estão em modo de recuperação de desastres, e o arco mais longo de um processo necessariamente tem que ficar em segundo plano", disse Richard Wallsgrove, professor de direito e consultor do Programa de Direito Ambiental da Universidade do Havaí em Manoa.

"Mas também está claro que o que está em jogo nesses casos, e todos os casos de litígio climático que estão sendo abertos no Havaí e em outros lugares, é visto ali mesmo nos incêndios florestais de Maui."

Os cientistas são cada vez mais capazes de atribuir desastres específicos, como clima extremo ou incêndios florestais, ao aquecimento global e até mesmo vincular eventos a produtores de combustíveis fósseis.

Embora essa atribuição possa levar tempo, os cientistas apontaram o declínio da precipitação média no Havaí, bem como a seca, os ventos muito fortes e outras condições ligadas à mudança climática como fatores que alimentaram o incêndio em Maui.

Ao mesmo tempo, pesquisadores acadêmicos e do Congresso, grupos ambientais, jornalistas e advogados relataram como as empresas de petróleo e gás, apesar de saberem há décadas que a queima de combustíveis fósseis aqueceria perigosamente o planeta, têm trabalhado para minimizar ou negar esse conhecimento.

A indústria de combustíveis fósseis tentou mover o caso de Maui e outros casos climáticos para a Justiça federal, onde esperava melhores resultados. Mas a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu no ano passado que eles deveriam permanecer nas cortes estaduais.

A indústria também argumentou que as reivindicações dos queixosos se relacionam a uma questão global e equivalem a uma demanda por uma regulamentação mais rigorosa das emissões de combustíveis fósseis, ambas as quais estão além do alcance de qualquer tribunal. "A política climática é para o Congresso debater e decidir, não para o sistema judicial", disse Meyers, do grupo setorial do petróleo.

Em uma audiência da Suprema Corte estadual na quinta-feira (17) no processo movido por Honolulu, as empresas petrolíferas repetiram muitos desses argumentos e instaram os juízes a rejeitar as reivindicações.

A sessão foi aberta com um minuto de silêncio pelos que morreram no incêndio de Maui.

"Este caso apresenta questões importantes", disse o advogado Theodore Boutros Jr., que representa as empresas de petróleo, "sobre se os demandantes podem invocar a lei estadual para apresentar ações de responsabilidade civil para tratar de lesões que alegam serem causadas pelas emissões globais de gases de efeito estufa".

"Nós respeitosamente declaramos que a resposta é não", disse ele. Na verdade, os demandantes estavam "procurando impor indenizações com base nas ações de milhões e bilhões de pessoas em todo o mundo", acrescentou.

Victor M. Sher, representando Maui, rejeitou a ideia de que as corporações multinacionais estejam isentas das leis locais.

De acordo com a lei dos EUA, que atribui aos estados a autoridade básica de proteger seus cidadãos, "tanto atores de fora do estado quanto até internacionais que causam danos dentro de estados individuais podem ser responsabilizados pela lei de responsabilidade civil daquele estado", disse ele.

Em sua queixa de 2020, Maui disse que as empresas de petróleo buscavam "desacreditar o crescente corpo de evidências científicas publicamente disponíveis e criar persistentemente dúvidas" na mente do público. As empresas "promovem e lucram com um aumento maciço" na produção e uso de carvão, petróleo e gás natural, todos impulsionando o aquecimento global, afirmou.

No caso da Exxon, o condado apontou as quantias substanciais que a empresa gastou em anúncios de rádio, televisão e outdoors no Havaí nos últimos 25 anos para comercializar seus produtos de petróleo e gás.

"Esses anúncios não continham nenhum aviso" sobre os riscos climáticos da queima de combustíveis fósseis, acusa Maui. Esses anúncios também continham declarações falsas ou enganosas "ofuscando a conexão entre os produtos de combustível fóssil da Exxon e as mudanças climáticas", e representavam erroneamente a Exxon e seus produtos como ecologicamente corretos, disse a denúncia.

A Exxon se recusou a comentar.

Em sua denúncia, o condado de Maui disse que sofreu e continuará a sofrer graves danos e perdas, incluindo impactos diretos na saúde pública, diminuição da receita tributária do turismo e aumento dos custos de adaptação a um clima mais quente.

"Os incêndios florestais estão se tornando mais frequentes, intensos e destrutivos no condado", diz a denúncia. "A 'temporada' de incêndios do condado agora ocorre o ano todo, em vez de apenas alguns meses por ano."

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