EUA vivem corrida pela energia geotérmica, escondida debaixo da terra

Custos, uso de água e risco de terremoto são desafios para novos projetos

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Brad Plumer
Beaver County (EUA) | The New York Times

Em um vale de artemísias cheio de turbinas eólicas e painéis solares em Utah, no oeste dos Estados Unidos, Tim Latimer olhava para um dispositivo muito diferente que, na sua visão, poderia ser igualmente poderoso no combate à mudança climática —talvez até mais.

Era uma plataforma de perfuração, transplantada dos campos de petróleo da Dakota do Norte. Mas o zumbido suave da plataforma não estava à procura de combustíveis fósseis. Estava perfurando para obter calor.

A empresa de Latimer, Fervo Energy, participa de um esforço ambicioso para liberar grande quantidade de energia geotérmica do interior quente da Terra, uma fonte de energia renovável que poderia ajudar a substituir os combustíveis fósseis que aquecem perigosamente o planeta.

"Existe um recurso virtualmente ilimitado lá embaixo, se conseguirmos acessá-lo", disse Latimer. "A geotérmica não ocupa muito terreno, não produz emissões, pode complementar as energias eólica e solar. Todo mundo que vê isso fica obcecado."

Vapor sai de um terreno desértico com alguns cactos
Vapor sai da terra em Roosevelt Hot Springs, no estado de Utah (EUA), perto de onde as empresas Forge e Fervo têm projetos de energia geotérmica - Brandon Thibodeaux/The New York Times

As usinas geotérmicas tradicionais, que existem há décadas, funcionam aproveitando reservatórios naturais de água quente no subsolo para alimentar turbinas que podem gerar eletricidade 24 horas por dia. No entanto, poucos locais têm as condições adequadas, e por isso a energia geotérmica produz apenas 0,4% da eletricidade dos EUA.

Mas há rochas quentes e secas abaixo da superfície de todo o planeta. E, ao utilizar técnicas avançadas de perfuração desenvolvidas pela indústria de petróleo e gás, alguns especialistas pensam que é possível explorar esse estoque maior de calor e criar energia geotérmica em quase qualquer lugar.

O potencial é enorme: o Departamento de Energia avalia que haja energia suficiente nessas rochas para abastecer cinco vezes o país inteiro, e lançou uma grande iniciativa para desenvolver tecnologias para captar o calor. Dezenas de empresas geotérmicas apresentaram ideias.

A Fervo está usando técnicas de "fracking" (fraturamento) —semelhantes às usadas para petróleo e gás— para abrir rochas secas e quentes e injetar água nas fraturas, criando reservatórios geotérmicos artificiais.

A Eavor, startup canadense, está construindo grandes radiadores subterrâneos com métodos de perfuração pioneiros nas areias betuminosas de Alberta (centro do Canadá).

Outras sonham em utilizar plasma ou ondas de energia para perfurar ainda mais fundo e atingir temperaturas "superaquecidas", que poderiam abastecer de forma limpa milhares de centrais elétricas alimentadas a carvão, substituindo o carvão por vapor.

Ainda assim, surgem obstáculos à expansão geotérmica. Os investidores estão cautelosos com os custos e os riscos de novos projetos geotérmicos. Alguns se preocupam com o uso da água ou com os terremotos causados pela perfuração. A permissão é difícil, e a geotérmica recebe menos apoio federal do que outras tecnologias.

Ainda assim, o interesse crescente pela energia geotérmica é impulsionado pelo fato de os Estados Unidos terem se tornado extraordinariamente bons em perfuração desde a década de 2000.

Inovações como a perfuração horizontal e a detecção magnética levaram a produção de petróleo e gás a níveis recordes, para grande consternação dos ambientalistas. Mas essas inovações podem ser adaptadas para a energia geotérmica, onde a perfuração pode representar metade do custo dos projetos.

"Todo mundo sabe da queda nos custos da energia eólica e solar", disse Cindy Taff, que trabalhou na Shell durante 36 anos antes de ingressar na startup geotérmica Sage Geosystems, em Houston (Texas). "Mas também vimos quedas acentuadas nos custos da perfuração de petróleo e gás durante a revolução do xisto. Se conseguirmos levar isso para a energia geotérmica, o crescimento poderá ser enorme."

'Fracking' para energia limpa

Perto da cidade de Milford, em Utah, fica a usina geotérmica Blundell, cercada por poços de lama fervente, bocas de vapor sibilantes e as ruínas esqueléticas de um resort de fontes termais. Construída em 1984, a usina de 38 megawatts produz eletricidade suficiente para cerca de 31 mil residências.

A usina de Blundell depende do vulcanismo antigo e de peculiaridades da geologia: logo abaixo da superfície estão rochas quentes e naturalmente porosas que permitem que as águas subterrâneas se infiltrem e aqueçam o suficiente para criar vapor, que gera eletricidade.

Mas tais condições são raras. Em grande parte da região, a rocha quente subterrânea é granito duro, e a água não flui facilmente.

A cinco quilômetros a leste, duas equipes estão tentando explorar aquele granito quente. Uma delas é a da Utah Forge, um esforço de pesquisa de US$ 220 milhões financiado pelo Departamento de Energia. A outra é da Fervo, startup com sede em Houston.

Ambas usam métodos semelhantes: primeiro, perfuram dois poços em forma de um "L" gigante, estendendo-se por milhares de metros até o granito quente, antes de se curvar e estender por milhares de metros horizontalmente.

Em seguida, usam o "fracking", que envolve explosivos controlados e fluidos de alta pressão, para criar uma série de fissuras entre os dois poços. Finalmente, injetam água em um poço e esperam que ela migre pelas rachaduras, aqueça a mais de 150°C e saia pelo outro poço.

Isso é chamada geotérmica aprimorada, pela qual se têm lutado com dificuldades da engenharia desde a década de 1970.

Mas, em julho, a Forge anunciou que tinha enviado água com sucesso entre dois poços. Duas semanas depois, a Fervo anunciou seu próprio avanço: um teste de 30 dias em Nevada descobriu que o processo poderia produzir calor suficiente para gerar eletricidade.

A Fervo está agora perfurando poços para sua primeira usina comercial de 400 megawatts em Utah, perto das instalações da Forge.

"São conquistas importantes, num período de tempo menor do que esperávamos", disse Lauren Boyd, chefe do Gabinete de Tecnologias Geotérmicas do Departamento de Energia, que estima que a energia geotérmica poderá fornecer 12% da eletricidade dos EUA até 2050 se a tecnologia for aprimorada.

Latimer pareceu menos surpreso. Antes de fundar a Fervo, em 2017, trabalhou como engenheiro de perfuração na BHP, empresa de petróleo e gás. Lá convenceu-se de que as tentativas anteriores de aprimoramento da energia geotérmica falharam porque não aproveitaram as vantagens das inovações do petróleo e do gás, como a perfuração horizontal ou os sensores de fibra óptica.

A Fervo não inventou muitas das ferramentas que utiliza. Em Utah, a perfuração é conduzida pela Helmerich & Payne, uma grande empreiteira de petróleo e gás que desenvolveu uma plataforma de alta tecnologia com software e sensores que permitem aos operadores direcionar com precisão as brocas para o subsolo. Sessenta por cento dos funcionários da Fervo vieram do setor de petróleo e gás.

"Se tivéssemos que inventar essas coisas nós mesmos, levaríamos anos ou décadas", disse Latimer. "Nossa grande conclusão foi que as pessoas da área geotérmica simplesmente não conversavam o suficiente com as do setor de petróleo e gás."

A parte difícil agora é tornar acessível a energia geotérmica aprimorada. O Departamento de Energia quer que os custos caiam para US$ 45 por megawatt-hora para implantação generalizada. Os custos da Fervo são "muito mais elevados", disse Latimer, embora acredite que perfurações repetidas possam reduzi-los.

A pesquisa na Forge pode ajudar. Perfurações mais profundas e mais quentes podem tornar os projetos mais econômicos, já que mais calor significa mais energia. Mas os equipamentos existentes de petróleo e gás não foram projetados para temperaturas acima de 180°C, então a Forge está testando novas ferramentas em rochas mais quentes.

"Ninguém mais está disposto a correr os riscos que podemos correr", disse Joseph Moore, geólogo da Universidade de Utah que lidera a Forge.

A geotérmica aprimorada enfrenta outros desafios, advertiu Moore. A geologia subterrânea é complexa, e é difícil criar fraturas que mantenham o calor e não percam muita água com o tempo.

Os perfuradores não devem provocar terremotos, um problema que perturbou os projetos geotérmicos na Coreia do Sul e na Suíça. A Forge monitora de perto suas instalações em Utah em busca de atividades sísmicas, e não encontrou nada preocupante.

A permissão é difícil. Embora a energia geotérmica aperfeiçoada possa, em teoria, funcionar em qualquer lugar, os melhores recursos estão em terras federais, onde as revisões regulamentares levam anos, e é muitas vezes mais fácil obter permissão para perfuração de petróleo e gás devido às isenções obtidas pelas empresas de combustíveis fósseis.

Ainda assim, o interesse está aumentando. A Califórnia se debate com déficits de eletricidade e recentemente teve de prolongar a vida útil de três antigas e poluentes centrais a gás.

Os reguladores ordenaram que as concessionárias adicionassem mil megawatts de eletricidade de fontes limpas que possam funcionar a qualquer hora para impedir as flutuações no fornecimento de energia eólica e solar. Um fornecedor de eletricidade, a Clean Power Alliance, concordou em comprar 33 megawatts da usina da Fervo em Utah.

"Se conseguirmos encontrá-la, teremos um grande apetite por energia geotérmica", disse Ted Bardacke, CEO da Clean Power Alliance. "Estamos adicionando mais energia solar todos os anos para uso diurno e temos um enorme acúmulo de baterias para transferir a energia para a noite. Mas o que fazemos à noite? É aí que a geotérmica pode realmente ajudar."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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