Gravação vazada revela preocupação dos Emirados Árabes com imagem pública na COP28

Proibição de protestos, prisão de ativistas e desrespeito aos direitos humanos devem ser alvo de campanhas durante evento

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Hiroko Tabuchi
The New York Times

Quando os Emirados Árabes Unidos sediarem a cúpula climática da ONU deste ano, a COP28, o perfil global do país do Golfo será posto em destaque. Mas a conferência também convida ao exame do histórico dos Emirados Árabes em matéria de direitos humanos, bem como de sua posição como principal produtor de petróleo.

Uma gravação vazada de uma reunião em fevereiro entre representantes dos Emirados e os organizadores da cúpula fornece uma visão clara dos seus esforços para reagir às críticas. Também destaca o foco do Estado autoritário em sua imagem, administrada através de contratos com empresas de publicidade, lobistas e especialistas em redes sociais em todo o mundo.

A organização da COP28 levantou questões indesejáveis sobre o histórico de direitos humanos dos EAU, e "os alarmes começaram a tocar", disse na reunião uma autoridade dos Emirados, que se identificou como chefe de gabinete de direitos humanos da corte presidencial.

Homem com vestimenta árabe caminham em um estande de feira com telões e a palavra 'decarbonization' escrita em uma das paredes
Público em estande sobre descarbonização no Climate Tech Forum, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, em maio deste ano - Karim Sahib - 10.mai.2023/AFP

Gravado na íntegra por um participante, o áudio foi obtido pelo Centre for Climate Reporting (centro para reportagem climática), organização sem fins lucrativos com sede em Londres, e compartilhada com The New York Times. O Times verificou a gravação com a pessoa que a fez, que pediu o anonimato por temer retaliação.

Uma participante durante a reunião de 30 minutos, que se identificou como Sconaid McGeachin, diretora de comunicações da cúpula climática, disse que os Emirados Árabes Unidos precisam de uma estratégia para afastar os críticos.

"As COPs evoluíram ao longo do tempo, obviamente. Agora são um canal para o ativismo e o ativismo jovem", disse McGeachin, especialista em relações públicas contratada pelos EAU.

"Eles aproveitarão esta oportunidade para atacar os Emirados Árabes Unidos. Precisamos preservar a reputação dos EAU, ver como podemos protegê-los e melhorar sua reputação, e tentar minimizar esses ataques tanto quanto possível."

Vincent Hughes, porta-voz da cúpula climática, classificou a gravação como "não verificada" e se recusou a comentar seu conteúdo. No entanto, acrescentou: "A equipe da COP28 realizou —e continua a realizar— reuniões sobre seus preparativos abrangentes com as principais e relevantes partes interessadas".

Ele disse que a conferência "adotará uma abordagem inclusiva que envolva todas as partes interessadas" e será "um momento marcante para a ação climática global".

O Ministério das Relações Exteriores dos Emirados Árabes Unidos se recusou a responder a perguntas. McGeachin não quis comentar.

O Qatar, país vizinho dos EAU, viu-se em situação semelhante como anfitrião da Copa do Mundo de 2022. Enfrentou uma enxurrada de críticas e alguns boicotaram o evento devido às políticas de direitos humanos do país, especialmente aos direitos LGBTQ+ e dos trabalhadores migrantes.

A conferência da ONU sobre o clima do ano passado, realizada no Egito, foi precedida pela detenção de dezenas de ativistas pelas forças de segurança egípcias, desencadeando um protesto internacional.

A cúpula do clima é convocada anualmente pela ONU, e há um rodízio dos países anfitriões. Está programada para acontecer este ano em Dubai e será liderada por Sultan Ahmed al-Jaber, enviado climático dos Emirados.

Sua nomeação foi controversa. Al-Jaber dirige a Abu Dhabi National Oil Co., a gigante estatal do petróleo, que fornece cerca de 3% do petróleo mundial. Ele também dirige a empresa estatal de energias renováveis Masdar, muito menor.

Retrato de Sultan al-Jaber discursando; ao fundo há o logotipo do evento
O presidente da COP28, Sultan al-Jaber, no evento Petersberg Climate Dialogue, na Alemanha; ele também é ministro da Indústria e Tecnologia e chefe da gigante estatal do petróleo Abu Dhabi National Oil Company (Adnoc) - John Macdougall - 3.mai.2023/AFP

O fato de um executivo do petróleo dirigir um encontro internacional destinado a combater as mudanças climáticas foi recebido com profundo ceticismo por grupos ambientalistas. Embora Abu Dhabi tenha tomado medidas para diversificar sua economia, o orçamento do governo depende fortemente da produção contínua de petróleo e gás.

Grupos de direitos humanos criticaram os EAU por sua falta de liberdade de expressão, liberdade de reunião e outros direitos básicos. Os protestos, que são comuns nas cúpulas climáticas da ONU, são basicamente proibidos nos Emirados Árabes Unidos.

"Essa é a contradição fundamental no cerne da atuação dos EAU como anfitriões da conferência anual global sobre o clima", disse Devin Kenney, que pesquisa os EAU para a Anistia Internacional. "Como se pretende ter uma discussão séria sobre um problema crítico para toda a humanidade num país onde a discussão crítica é ilegal?"

Na gravação, as autoridades discutem uma pesquisa com mais de 20 mil pessoas em 20 países sobre as atitudes em relação aos Emirados, encomendada pelo Ministro das Relações Exteriores, Abdullah bin Zayed Al Nahyan.

"As maiores preocupações que surgiram eram associadas aos direitos humanos", incluindo a liberdade de expressão, o direito de protestar e questões LGBTQ+, disse McGeachin na reunião.

As pessoas gays podem enfrentar discriminação severa nos Emirados Árabes Unidos, e as leis vagas do Estado —como as que punem a "promoção do pecado" ou a violação da "moral pública"— podem ser usadas contra elas, alertam grupos de direitos humanos.

McGeachin acrescentou que os organizadores deveriam tentar atenuar as críticas contatando grupos de direitos humanos como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch, que têm criticado o histórico de abusos dos EAU. "Precisamos demonstrar isso e precisamos ser vistos como engajadores de todas as partes interessadas", disse ela.

Mas o responsável pelos direitos humanos da corte presidencial dos EAU disse que uma estratégia melhor seria manter o envolvimento firmemente concentrado nas mudanças climáticas.

"As conversas deveriam ser limitadas àquelas diretamente associadas às mudanças climáticas", disse ela na gravação. McGeachin afirmou que "não é obrigatório" responder a perguntas sobre a posição do país em relação aos direitos LGBTQ+.

Seria fundamental que a conferência sobre o clima "não fosse usada como um passe livre para atirar tudo contra nós", disse também ela.

Organizações de direitos humanos pediram que os EAU parem de deter ativistas, acadêmicos, advogados e outros.

Esta semana, mais de uma dúzia de grupos de direitos humanos enviaram uma carta ao secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, apelando para que o país pressione os Emirados Árabes Unidos para libertarem Ahmed Mansoor, um crítico do governo que está preso desde 2017.

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