Plano contra desmatamento no cerrado é colocado em consulta pública

Assim como o plano amazônico, projeto tinha sido extinto no governor Bolsonaro

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São Paulo

Um novo PPCerrado (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento no Cerrado) entrou em consulta pública nesta quarta-feira (13). A consulta permanecerá ativa até 12 de outubro no site Participa + Brasil. O anúncio ocorre após meses com elevados índices de desmatamento no bioma.

O plano, que diz respeito ao período de 2023 a 2027, contará com uma comissão interministerial, presidida pela Casa Civil e secretariada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. É responsabilidade da comissão a "coordenação de ações para a redução dos índices de desmatamento".

Linha de fogo em vegetação
Brigadistas fazem simulação de queima prescrita em área do cerrado na Reserva Natural Serra do Tombador, Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) da Fundação Grupo Boticário, em Goiás - Jéssica Maes/Folhapress

O documento em consulta relembra a importância do entes estaduais no combate ao desmatamento no bioma. Isso é relevante considerando que o desmate no cerrado ocorre especialmente em áreas privadas —diferentemente da Amazônia—, o que, segundo as autoridades, dificulta a ação federal no enfrentamento da devastação.

O PPCerrado aponta que, em 2022, cerca de 81% do desmatamento ocorreu em áreas particulares.

O Código Florestal determina que as propriedades privadas localizadas no cerrado devem manter em pé (estrutura conhecida como reserva legal) de 20% a 35% (em áreas de cerrado localizadas na Amazônia Legal) da vegetação natural. Na Amazônia, esse percentual salta para 80%.

Durante a apresentação do plano, em sessão da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, André Lima, secretário extraordinário de controle do desmatamento, reafirmou a necessidade do trabalho com os estados. Lima destacou a necessidade de observar autorizações de supressão vegetal aparentemente legais.

Esteve presente também na sessão a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

"Não se tem uma bala de prata. Não é só conter desmatamento. São ações múltiplas que se cruzam e se retroalimentam positivamente ou negativamente", disse Marina. "O cerrado tem função estratégica, é a caixa d'água do Brasil."

Como já havia feito anteriormente, Marina questionou qual seria o embasamento científico para que as reservas legais no cerrado fossem de somente 20% a 35%. A ministra, porém, não defendeu uma mudança no Código Florestal sobre o tema —"abrir essa caixa de Pandora de novo, Deus que me defenda"—, mas, sim, uma alteração nas atividades no bioma.

"Não queremos maquiagem em relação aos problemas. Fazer política pública com base em evidência é assumir o que diz a ciência. Ter coragem de mostrar os dados. Porque os dados, quando são mostrados, eles criam aquilo que se chama constrangimento ético para empresas, para governos, para todo mundo", afirmou a ministra. "O esforço que estamos fazendo é de fazer esse alinhamento político e ético para proteger o cerrado."

Segundo o plano, a maior parte das autorizações estaduais para supressão vegetal —para fazer qualquer desmate, proprietários precisam informar autoridades e ter uma autorização— não está disponível no sistema federal, "o que dificulta o controle do desmatamento ilegal tanto pelos órgãos federais quanto pelo setor financeiro e pelas cadeias produtivas".

O documento aponta que, a partir dos dados disponíveis, pode-se estimar que pelo menos metade da devastação no cerrado tem algum tipo de ilegalidade.

Ainda de acordo com o plano, entre as causas da derrubada de vegetação no cerrado estão desmate ilegal vinculado a cadeias produtivas —há forte presença de soja, por exemplo, e pecuária no bioma—, baixo nível de reconhecimento dos territórios coletivos e unidades de conservação, expansão agrícola, especulação fundiária, gestão hídrica ineficaz e manejo inadequado do fogo.

O impacto da ilegalidade no campo, contufo, precisa ser melhor entendido. "Atualmente, o governo brasileiro não possui dados oficiais consolidados sobre o nível de conformidade da produção agropecuária à legislação ambiental vigente", aponta o documento.

"Porém, diferentes estudos realizados pela Academia e pela sociedade civil apresentam indícios de que uma parcela significativa da produção é vinculada a desmatamento ilegal pelo descumprimento das exigências de conservação da vegetação nativa dentro do imóvel."

Um estudo publicado, em 2020, na revista Science, mostrou que o desmate ilegal na Amazônia e no cerrado pode estar contaminando cerca de 20% da soja e pelo menos 17% da carne exportadas para a UE (União Europeia). Tal pesquisa, inclusive, é citada no PPCerrado.

O Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), região onde há forte desmatamento, e interesse agropecuário e especulativo, também recebe foco no plano. Concentram-se nessa região desmatamentos contínuos superiores a cem hectares, um quadro que tem predominado nos últimos quatro anos, aponta o documento.

"O que indica investimentos de capital significativos para compra e supressão de vegetação de grandes áreas anualmente", diz o texto.

O documento também lembra a extinção do PPCerrado no governo Jair Bolsonaro (PL) e o abandono de "ações específicas para o cerrado nos anos que se seguiram".

Também presente no lançamento, o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, disse que objetivo do projeto não é apenas o fim do desmatamento ilegal, mas de toda forma de devastação. "

Meta de desmatamento zero até 2030. Não é desmatamento zero ilegal na Amazônia. É desmatamento zero em todo o Brasil", afirmou Capobianco, em referência aos outros biomas nacionais.

"Tem outros [planos] na boca do forno", afirmou também Marina Silva.

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