11 blocos ofertados pela ANP perto de Fernando de Noronha não têm análise ambiental, afirma ONG

Organização protocolou ação pedindo que locais da bacia Potiguar sejam excluídos de leilão; OUTRO LADO: agência afirma que não há irregularidade

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São Paulo

Uma ação civil pública protocolada na manhã desta sexta-feira (17) pede que 11 blocos para exploração de petróleo sejam removidos da oferta aberta pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) por não terem passado por análise ambiental.

Os blocos ficam na bacia Potiguar, a aproximadamente 135 km de distância do Atol das Rocas e 252 km de Fernando de Noronha.

A ação foi movida pelo Instituto Arayara, organização não governamental voltada a temas de transição energética, e trata dos blocos do chamado setor SPOT-AP2, na costa do Rio Grande do Norte. Eles fazem parte do 4º Ciclo de Ofertas Permanentes realizado pela agência, em que constam centenas de blocos, em terra e no mar, que devem ir a leilão em 13 de dezembro.

Segundo o instituto, a documentação usada para validar a oferta do ponto de vista ambiental faz referência a uma série de documentos que, na verdade, não analisam os blocos referidos do setor SPOT-AP2. São eles os blocos: POT-M-1040; POT-M-1042; POT-M-768; POT-M-770; POT-M-772; POT-M-774; POT-M-776; POT-M-861; POT-M-867; POT-M-954 e POT-M-956.

Procurada, a ANP negou, por nota, quaisquer irregularidades e disse que "os órgãos ambientais se manifestam oportunamente, no âmbito da manifestação conjunta, antes da inclusão das áreas no edital".

O Ibama também afirmou não ver irregularidades. Para o órgão ambiental, a oferta dos blocos "foi fundamentada por manifestação conjunta" com o MME (Ministério de Minas e Energia).

Ativistas do Instituto Arayara fazem manifestação em frente à ANP (Agência Nacional do Petróleo)
Ativistas do Instituto Arayara fazem manifestação em frente à ANP (Agência Nacional do Petróleo), em Brasília, nesta sexta (17) - Divulgação/Instituto Arayara

O leilão deve ser realizado logo depois da COP28, a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), que acontece em Dubai, nos Emirados Árabes, de 30 de novembro a 12 de dezembro.

Para a diretora-executiva do Arayara, Nicole de Oliveira, realizar um leilão dessa dimensão, que ela qualifica como "o pior da história da ANP", na sequência da COP é um contrassenso para o governo Lula (PT), que quer ser uma liderança nas negociações climáticas e tem demonstrado preocupação ambiental.

"Eu acho que [o leilão] desacredita o Brasil como uma liderança climática. É muito complicado você ter uma incoerência tão grande internamente e ainda assim querer assumir uma liderança externa, mesmo que esteja reduzindo o desmatamento. Isso porque o maior problema do mundo hoje na questão das emissões de gás de efeito estufa é a emissão pela queima dos combustíveis fósseis", explica Oliveira.

A bacia Potiguar fica na extremidade leste da chamada margem equatorial brasileira, que começa na bacia da Foz do Amazonas, no Amapá —e que está no centro de um impasse entre a Petrobras e o Ibama.

Em nota, o MME afirma que "todo o processo legal, em especial com relação aos aspectos ambientais, foi rigorosamente seguido para a oferta das áreas na bacia Potiguar e demais bacias sedimentares brasileiras".

Entrada do edifício-sede da ANP, no Rio de Janeiro
Edifício-sede da ANP, no Rio de Janeiro (RJ) - Sergio Moraes/Reuters

A trilha burocrática da análise ambiental do setor SPOT-AP2

A ausência da validação dos órgãos ambientais quase se perde em meio a camadas de burocracia. A primeira delas é que, pela regra, locais ofertados para exploração deveriam passar por uma análise regional, conhecida como AAAS (Avaliação Ambiental de Área Sedimentar).

Porém, já que muitas bacias ainda não passaram por essa etapa, como é o caso da Potiguar, uma manifestação conjunta do Ministério de Minas e Energia e do Ministério do Meio Ambiente tem sido adotada no lugar da AAAS.

No caso dos blocos que são alvo da ação, foi utilizado um parecer (Manifestação Conjunta nº 02/2020/ANP) usado anteriormente, na 17ª Rodada de Licitações, em 2021.

Esse documento de fato cita os blocos do setor SPOT-AP2, mas diz que "as áreas a serem ofertadas na bacia Potiguar foram analisadas através da Informação Técnica nº 2/2019-CGMA/DILIC".

Reprodução de documento
Nota técnica conjunta nº 2/2020/ANP - Reprodução

Já este informe de 2019, por sua vez, menciona que a análise dos blocos localizados no referido setor foi feita, na verdade, no Parecer Técnico nº 01/2018 do GTPEG (Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás).

Reprodução de documento
Informação Técnica nº 2/2019/CGMAC/DILIC - Reprodução

Apesar disso, o parecer de 2018 analisa outros blocos da bacia Potiguar, mas não faz referência a nenhum do setor SPOT-AP2 ofertado atualmente.

Reprodução de documento
Parecer Técnico Preliminar GTPEG N° 2018 - I - Reprodução

"O que se vê é que, muito embora haja a concordância do MME e MMA para oferecer os blocos objeto da presente ação civil pública, nenhum deles é analisado no parecer técnico que é utilizado como justificativa técnica", diz a ação.

Na nota enviada à reportagem, a ANP destaca que a aprovação, pelos ministérios, da inclusão dos blocos nas rodadas de licitações não significa aprovação tácita para o licenciamento ambiental. "Todas as atividades que as concessionárias venham a executar nas áreas demandarão detalhado processo de licenciamento ambiental, o qual será conduzido pelo órgão ambiental competente", diz o texto.

Riscos socioambientais

Além de apontar a ausência da análise técnica, o Arayara ressalta que a região onde estão os 11 blocos tem ecossistemas "extremamente sensíveis e importantes para a biodiversidade brasileira", contando com áreas de proteção ambiental e "verdadeiros oásis para a vida que são o Atol das Rocas e Fernando de Noronha".

Uma avaliação do Ibama de 2018 sobre outros blocos na mesma região aponta a possibilidade de "impactos não mitigáveis sobre a atividade pesqueira artesanal".

O documento ressalta também que alguns dos blocos analisados, assim como é o caso de blocos no SPOT-AP2, se encontram sobrepostos a montes submarinos (montes de Touros, Maracatu e Baião), considerados "habitats únicos" pelo órgão.

"Essas formações são importantes porque ali é como se fosse um berçário de vida marinha. Ali é onde o ecossistema inteirinho se repõe e se renova", explica a diretora-executiva do Arayara.

Mapa dos blocos da Bacia Potiguar sendo ofertados no 4º Ciclo de Ofertas Permanentes da ANP
Mapa anexado à ação civil pública mostra os blocos do setor SPOT-AP2, na Bacia Potiguar, sendo ofertados pela ANP, que se sobrepõem a montes submarinos - Reprodução/Instituto Arayara

Outro parecer sobre a área da bacia Potiguar, do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), afirma que a região abriga dezenas de espécies ameaçadas de extinção, é acometida por diversas correntes marinhas e é próxima da Reserva Biológica do Atol das Rocas e do Parque Nacional Fernando de Noronha.

"Tanto as atividades exploratórias quanto um evento acidental podem trazer danos à diversidade biológica desses ecossistemas", diz a entidade, que avalia como temerária a oferta de blocos da bacia.

A ação civil pública aponta ainda restrições quanto à profundidade e à proximidade dos blocos do SPOT-AP2 da costa.

Por fim, o texto ressalta a importância do corte na produção de combustíveis fósseis para frear as mudanças climáticas e pede que a oferta dos 11 blocos seja suspensa liminarmente até a realização de análise ambiental pelos órgãos competentes.

"A mera oferta dos referidos blocos com as irregularidades apontadas macula completamente o processo, e gera, inclusive, insegurança jurídica para a iniciativa privada", diz o texto.

Para a coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, que não está envolvida na ação, a questão apontada pelo Arayara é séria.

"Trata-se de um problema grave, se confirmado, e motivo, por si só, para concessão de liminar", afirma.

Sobre a ausência da AAAS, apesar de não ser o objeto da ação civil pública, ela diz que o estudo regional deveria ser realizado nas cinco bacias da margem equatorial brasileira: da Potiguar à da Foz do Amazonas.

"São áreas ricas em biodiversidade e frágeis. Afastar a AAAS —e estão fazendo isso há anos— traz insegurança jurídica para os próprios investidores", opina.

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