O que era um elefante na sala virou o centro das atenções da COP28, conferência do clima da ONU: o abandono dos combustíveis fósseis, principais causadores da crise climática.
Sediada pelos Emirados Árabes, a COP28 começou com a acusação por parte dos movimentos socioambientais de que o chefe da petroleira Adnoc, Sultan al-Jaber, teria conflito de interesses ao assumir a presidência da cúpula.
A indignação da comunidade internacional e o embaraço que ela causou à Convenção-Quadro do Clima da ONU (UNFCCC, na sigla em inglês) resultaram em uma abertura inesperada nas negociações para discutir o declínio dos combustíveis fósseis, que entrou no rascunho do balanço global —principal item em negociação— desde o primeiro dia da conferência.
O último rascunho do texto, apresentado na terça-feira (5), mantém quatro opções de linguagem sobre o abandono ou a diminuição dos combustíveis fósseis.
O Brasil defende que o declínio dos combustíveis fósseis aconteça primeiro e de forma prioritária nas nações desenvolvidas e propôs que o texto em negociação reflita essa diferença de responsabilidades, um dos princípios da convenção.
Grandes economias emergentes, principalmente Índia e China, resistem a um texto que determine a eliminação do carvão. Já a Rússia marca posição contrária à eliminação dos fósseis e busca promover o gás, um combustível fóssil, como uma alternativa de baixo carbono, comparando-o ao petróleo e ao carvão.
Já os países mais vulneráveis, principalmente o bloco das pequenas ilhas, falam na eliminação completa dos combustíveis fósseis.
A União Europeia e os Estados Unidos têm defendido a eliminação dos combustíveis fósseis não compensados (ou seja, cujas emissões não puderem ser reduzidas). Para os americanos, também é importante destacar as emissões do gás metano —que, por ter alto potencial de efeito estufa e curta duração na atmosfera, pode fazer a diferença no curto prazo.
A primeira semana de COP terminou com 64 itens de agenda em negociação, outros 20 itens ainda sem texto e apenas 5 já acordados, segundo monitoramento do portal Carbon Brief.
Nesta sexta-feira (8), os ministros do Meio Ambiente dos países sobem ao palco para discursar no diálogo de alto nível, que estreia o nível ministerial das negociações —quando os chefes das pastas de meio ambiente e clima ajudam a destravar os nós políticos para as possíveis decisões da COP. A conferência deve chegar a uma conclusão até o próximo dia 12.
Entenda abaixo o status da negociação das principais agendas da COP28.
Balanço global
Principal documento que deve sair da COP28, o balanço global é uma avaliação dos esforços dos países na implementação do Acordo de Paris. Além do diagnóstico, ele deve trazer recomendações para a revisão das metas climáticas nacionais.
O último rascunho tem 26 páginas. A maior parte dos parágrafos ainda tem pelo menos duas opções de texto, mantendo possibilidade de linguagens mais frouxas e outras mais comprometidas.
Rumo para novas metas
O balanço global é especialmente relevante para o Brasil, já que as recomendações do documento devem dar lastro para a presidência da COP30, que acontece no Brasil em 2025, justamente quando os países devem apresentar novas metas climáticas (as chamadas NDCs, sigla em inglês para contribuições nacionalmente determinadas) para o Acordo de Paris.
O Brasil busca firmar a contenção do aquecimento global em torno de 1,5°C como novo horizonte para as metas climáticas dos países. O número aparece em 14 parágrafos do texto.
O primeiro deles diz que os países expressam séria preocupação com o fato de 2023 ser o ano mais quente da história e com a aceleração dos impactos das mudanças climáticas, enfatizando a necessidade de ação urgente para manter o objetivo de 1,5°C e tratar a crise climática nesta década crítica.
Abandono de combustíveis fósseis
O último rascunho traz quatro opções de texto. A primeira aponta "uma ordenada e justa eliminação gradual dos combustíveis fósseis". Já a segunda aponta uma eliminação gradual dos combustíveis fósseis não compensados até a metade do século.
Outra opção cita o painel do clima da ONU em defesa da eliminação do carvão não compensado, enquanto a última alternativa se limita a propor a eliminação dos subsídios ineficientes para os combustíveis fósseis —uma linguagem dúbia que já havia sido usada na COP26.
Renováveis e eficiência
Ainda dentro do balanço global, países rascunham o compromisso de triplicar as energias renováveis no mundo até 2030, chegando a uma capacidade instalada de 11 mil GW, e duplicar a eficiência energética no mundo no mesmo período, a uma taxa de aumento de 4% da eficiência ao ano.
Em um anúncio político fora das negociações, 116 países, incluindo o Brasil, já prometeram se engajar no feito.
Fundo de perdas e danos
Adotado no primeiro dia da COP28, o fundo de perdas e danos, criado no ano passado, ganhou definições de funcionamento já na abertura em Dubai. A gestão nos primeiros quatro anos será feita pelo Banco Mundial, mas de acordo com os critérios deliberados por um conselho a ser formado segundo os princípios da Convenção-Quadro do Clima da ONU.
A começar com a doação de US$ 100 milhões dos anfitriões, os Emirados Árabes, o fundo soma US$ 700 milhões arrecadados nesta primeira semana de COP.
O valor ainda fica bem abaixo do tamanho do prejuízo que os países mais vulneráveis ao clima já acumulam. As estimativas variam de US$ 100 bilhões a US$ 580 bilhões de perdas por ano. Os países em desenvolvimento pedem que o fundo tenha uma arrecadação anual de US$ 100 bilhões.
Fundo de adaptação
Criado em 2021 para financiar as ações de adaptação à crise climática, o fundo não teve qualquer avanço nas negociações ao longo da semana.
A agenda sofre bloqueio de países em desenvolvimento e do grupo árabe, que argumentam sobre a diferença de responsabilidade que mantêm em relação às nações desenvolvidas. Por outro lado, novas promessas de doações de países somaram US$ 166 milhões para o fundo.
A repórter Ana Carolina Amaral viajou a convite de Avaaz, Instituto Arapyaú e Internews.
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