Na COP28, Brasil sofre pressão doméstica contra petróleo na Amazônia

Quase 130 organizações presentes na cúpula assinam manifesto contra megaleilão de novos blocos de petróleo

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Dubai

Maior delegação da COP28, conferência do clima da ONU, os brasileiros não vêm a Dubai apenas para levar suas mensagens ao mundo, mas também para reforçá-las ao governo brasileiro. A atuação de ONGs, movimentos sociais e indígenas mostra que, diante dos holofotes internacionais, a pressão doméstica ganha força. Nas COPs do clima, a roupa suja se lava fora de casa.

Ao longo do final de semana, uma carta aberta destinada às autoridades do governo federal presentes na COP28 reuniu 127 assinaturas de organizações ambientalistas, movimentos sociais, associações indígenas e comunitárias e institutos de pesquisa em uma mensagem contrária ao megaleilão de 602 novas áreas de exploração de petróleo e gás, incluindo 21 blocos na bacia do rio Amazonas.

Ele está previsto para acontecer na quarta-feira (13), logo após a conclusão da COP, que deve terminar nesta terça (12).


"O preço da expansão do petróleo será uma conta cara demais para as gerações futuras. O objetivo de manter o aumento da temperatura global em 1,5°C não é apenas uma meta, é um limite", diz a carta.

A diplomacia brasileira tem defendido na COP28 o que chama de "missão 1,5", convocando países a revisar suas metas climáticas para se alinhar a um teto de aquecimento global menor do que o estabelecido em Paris —que mira um limite mais flexível, entre 1,5°C até 2°C.

Ana Toni cochicha algo ao lado de Marina Silva, que está com expressão séria
Ana Toni, secretária de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, e a ministra Marina Silva em corredor da COP28, em Dubai, nesta segunda (11) - Amr Alfiky - 11.dez.2023/Reuters

"As emissões da queima do óleo da margem equatorial são três vezes a meta que o país assumiu para 2030. Tal iniciativa levaria o Brasil de volta à estaca zero e nos colocaria na contramão do Acordo de Paris", continua a carta, citando a região no litoral norte do país vista como a nova fronteira petrolífera.

Afetados drasticamente pela seca na Amazônia, lideranças indígenas e quilombolas da região também marcaram presença em debates críticos ao projeto energético do governo para a região amazônica.

"Nós estamos vivendo uma crise humanitária na região do Tapajós e o governador [do Pará] sequer criou um comitê de crise para dar um apoio às comunidades que foram isoladas por conta da seca do Tapajós", afirmou Auricélia Arapiuns, coordenadora do Conselho Indígena do Tapajós (Cita), em um painel sobre os desafios da geração de energia na amazônia.

O governador Helder Barbalho (MDB) participou da COP28 com uma intensa agenda de anúncios de compromissos e parcerias em temas como combate a desmatamento, recuperação de pastagens degradadas e bioeconomia.

"Esse Pará que o Helder descreve para o mundo não existe", afirmou Auricélia na COP.

"A gente fala em transição energética, mas para muitos a energia nunca chegou. A gente tem muitas populações vivendo no escuro, temos cerca de 400 mil famílias que não estão integradas ao sistema interligado nacional, nós temos cerca de 3 milhões de pessoas que ainda vivem precariedade energética", insistiu a liderança.

O anúncio de que o Brasil integraria a Opep+, grupo expandido da Organização dos Países Exportadores de Petróleo, e o agendamento do leilão para o dia 13 foram uma confusão não planejada, de acordo com representantes do MMA (Ministério do Meio Ambiente).

Em reunião com a sociedade civil brasileira presente na COP28 no sábado (10), as autoridades do MMA e do Itamaraty responderam a cobranças sobre o projeto energético do governo, afirmando que o leilão vem de um longo do processo já do governo anterior e que a gestão atual tenta minimizá-lo, ainda sem uma resolução final.

Representantes do MME (Ministério de Minas e Energia) afirmaram que a pasta deve iniciar um processo de debates sobre a transição energética ao longo do próximo ano, convocando diversas vozes para compor um quadro sobre os rumos energéticos que o Brasil deve seguir.

O preparo doméstico sobre a agenda da transição energética tem ainda uma urgência diplomática: ao assumir a presidência do G20 no próximo ano, o Brasil deve estar habilitado para conduzir um compromisso de transição energética entre as economias mais relevantes do mundo.

Segundo a avaliação "G20 Acceleration Call", conduzida por 17 organizações internacionais, incluindo brasileiro o CBC (Centro Brasil no Clima), 4 dos 5 maiores produtores de petróleo no mundo são membros do G20: Estados Unidos, Rússia, China e Canadá.

Ao mesmo tempo, 10 países do grupo respondem por mais de dois terços da demanda global por petróleo.

Embora a produção e o consumo de petróleo no Brasil seja pequeno em relação aos outros países do bloco, os subsídios anuais do país ao setor de óleo e gás chegam aos US$ 7 bilhões —superior aos incentivos dados por governos como Canadá e Alemanha.

A avaliação recomenda que o Brasil evite se trancar em projetos que aumentem a dependência de combustíveis fósseis, aproveitando sua matriz energética majoritariamente para investir em infraestrutura para veículos elétricos e hidrogênio verde, por exemplo.

O estudo também aponta que o país deve liderar iniciativas da transição energética no G20, aproveitando o protagonismo para atrair parcerias e adoção de tecnologias verdes.

A repórter Ana Carolina Amaral viajou a convite de Avaaz, Instituto Arapyaú e Internews.

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