Cidade do interior de SP se mobiliza, e Justiça suspende licenciamento de maior termelétrica do Brasil

Moradores e associações questionam projeto em Caçapava por riscos de poluição e elevado uso de água

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Rio de Janeiro

O projeto da maior usina termelétrica do Brasil, em Caçapava (SP), se tornou alvo de protestos de moradores, políticos e organizações ambientais da região do Vale do Paraíba, que temem pelos impactos na qualidade do ar e no abastecimento de água da região.

Nesta quarta-feira (31), a Justiça Federal de São Paulo suspendeu o processo de licenciamento da usina, atendendo pedido do Ministério Público Federal. A audiência pública para avaliar o projeto estava prevista para esta quinta (1º) e foi alvo, no fim de semana, de protestos dos moradores.

"Sabemos que as pessoas estão preocupadas com a possibilidade de ser instalada uma termelétrica aqui em Caçapava. Eu também!", escreveu a prefeita Pétala Lacerda (Republicanos) na sexta (26), anunciando que irá a Brasília em fevereiro tentar barrar o projeto.

Vista do rio
Rio Paraíba do Sul, que corta a cidade de Caçapava (SP) - Lucas Lacaz Ruiz - 7.jul.2019/Folhapress

Com potência de 1.743,8 MW (megawatts) e movida a gás natural, a Usina Termelétrica São Paulo foi anunciada em 2022 pela empresa Natural Energia, sob o argumento de que o Brasil precisa de fontes de energia firme para complementar sua matriz renovável.

É o maior projeto do tipo em licenciamento ou construção no Brasil —o segundo maior está localizado no Porto do Açu, no litoral norte do Rio, com 1.672 MW de potência. Tem previsão de início de operações em 2028, mas ainda depende de leilões do governo para compra de energia.

O estudo de impacto ambiental apresentado ao Ibama (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis) prevê a emissão de até 5,8 milhões de toneladas de CO2 por ano, o equivalente a quase um terço do total emitido pela cidade de São Paulo em 2022, segundo estimativa do Observatório do Clima.

Associações ambientalistas alertam também para o elevado uso de água em uma região que já vive sob estresse hídrico. O projeto prevê captação em um córrego próximo e no aquífero Caçapava, por meio de poços.

"É uma bacia que já vive sob estresse hídrico e é importante para a garantia do abastecimento da região metropolitana de São Paulo", diz Juliano Araújo, presidente do Instituto Internacional Arayara.

No sábado (27), o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul publicou comunicado manifestando preocupação com o empreendimento. "O comitê quer deixar claro que reconhece os consideráveis riscos à segurança hídrica e à qualidade da água na nossa bacia", escreveu.

As manifestações contra o projeto lembram ainda dos compromissos assumidos pelo Brasil para reduzir as emissões de gases do efeito estufa. O país vem se apresentando como liderança no processo de transição energética, que se tornou um dos temas da nova política de industrialização do governo PT.

"Estamos num vale, não tem condições de ter uma termelétrica desse tamanho na cidade. Caçapava não quer isso", diz a vereadora Dandara Gissoni (PSD), que esteve na COP28, em Dubai, para buscar apoio contra o projeto.

Em 2022, Caçapava passou uma lei proibindo a instalação desse tipo de empreendimento. O MPF alegou que, com isso, a empresa perdeu a certidão de uso e ocupação do solo e, por isso, o processo de licenciamento está irregular.

Em novembro de 2023, a Natural Energia obteve liminar retirando da lei municipal a restrição a "produção de energia elétrica por usina termelétrica" e, em dezembro, o Ibama agendou audiência pública para debater o projeto no município.

Em sua manifestação à Justiça, o órgão ambiental federal afirmou que a audiência desta quinta-feira seria apenas uma etapa do processo e não garantiria a licença à empresa. A suspensão do debate, disse, prejudica os moradores da cidade.

"Não faz sentido a sempre constante ideia de que a prevenção impõe sempre, ainda que à míngua de fundamentação robusta, suspender-se a realização de atos concretos, mesmo aqueles que, como expresso, nenhum prejuízo direto trará ao meio ambiente", alegou o órgão ambiental.

O juiz federal Antônio André Muniz Mascarenhas de Souza, porém, entendeu que a apresentação da certidão no processo de licenciamento "é essencial à segurança da população diretamente impactada pela instalação da usina".

"Nada mais natural, portanto, que da certidão municipal conste o prazo de validade desta, uma vez que a potencialidade de uso do bem pode sofrer alteração com o transcurso do tempo", escreveu em sua decisão de suspender o projeto.

A Natural Energia disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que "está acompanhando o desenrolar do processo para que seja realizada a audiência pública, confiante na Justiça e no direito da população de conhecer o projeto".

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