Descrição de chapéu desmatamento

Órgão ambiental do Pará tenta legalizar garimpos em floresta que abriga maior árvore da América Latina

Número de garimpeiros aumentou mais de 200% nos últimos anos na Floresta Estadual (Flota) do Paru

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Fábio Bispo
InfoAmazonia

Uma das maiores unidades de conservação de uso sustentável do mundo, a Floresta Estadual (Flota) do Paru, no oeste do Pará, está dominada pelo garimpo ilegal. A área abriga árvores gigantes da amazônia, incluindo um exemplar de angelim-vermelho com idade entre 400 e 600 anos, que é a maior árvore da América Latina.

A região é explorada por mais de 2.000 garimpeiros, em cerca de cem frentes de extração de ouro e, além disso, pelo menos 41 pistas de pouso, todas clandestinas, são usadas para viabilizar a logística dentro da área protegida, segundo dados de órgãos do governo e organizações ambientais que integram inquérito civil instaurado pelo MPF (Ministério Público Federal).

Criada em 2006 para proteger uma área de 3,6 milhões de hectares, que inclui, além das árvores gigantes, espécies endêmicas (que só são encontradas naquela região), a Flota do Paru é responsabilidade do governo do Pará, através do Ideflor-Bio (Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará).

Árvore vista de baixo
Árvore gigante na Floresta Estadual (Flota) do Paru, no Pará - João Ramos de Matos Filho

No entanto, desde sua criação, a floresta estadual não recebeu fiscalização para acabar com o garimpo. Pelo contrário, em outubro de 2023, o Ideflor-Bio deu assentimento para legalizar a mineração dentro da unidade de conservação, contrariando o próprio plano de manejo, que classificou as áreas ocupadas por garimpos como zonas temporárias, de caráter provisório, que deveriam ser desocupadas.

Em nota à reportagem, o Ideflor-Bio afirmou que "trabalha de forma integrada com o Ministério Público, Polícia Civil, Militar, Federal e Exército, para desarticular garimpos ilegais em Unidades de Conservação (UCs) estaduais".

Em outubro de 2023, uma liberação para mineração de ouro foi cedida à empresa Mineração Carará LTDA, do empresário Eduardo Ribeiro Carvalho Pini, apontado pela investigação do MPF como dono de áreas de garimpos ilegais em atividade na Flota.

O documento foi assinado pelo presidente do Ideflor-Bio, Nilton Pinto, e apresentado para obtenção do licenciamento ambiental dentro da área protegida, que ainda aguarda análise da Semas (Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade).

Tanto informações dos relatórios de vistoria quanto imagens de satélite analisadas pela reportagem identificam que a área requerida para licenciamento já opera como garimpo ilegal ao lado de uma pista de decolagem.

O Ideflor-Bio justifica a autorização dada à Mineração Carará afirmando que a empresa é "autorizada pelo Ministério de Minas e Energia, para atividades de pesquisa e lavra mineral de ouro onde está instalada, desde o ano de 1981" e que o empreendimento está na zona de ocupação temporária —onde estão os garimpos. Segundo o instituto, não há, portanto, impedimentos legais para essa atividade.

Eduardo Pini se tornou um dos personagens centrais da pressão do garimpo na Flota do Paru. Em 2018, ele fundou uma associação de coletores de castanha, a Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Médio Jari, como forma de abrir caminhos para reivindicar pleitos dos garimpeiros.

Como presidente da associação, conquistou, inclusive, um assento no conselho gestor da Flota e tenta alterar o plano de manejo para o garimpo onde é proibido.

vista aérea de um garimpo no meio da floresta
Garimpo fiscalizado pelo ICMbio na área da Floresta Estadual (Flota) do Paru que usa técnica de depuração à base de mercúrio - Reprodução/ICMBio

Fontes da região ouvidas pela reportagem, e que pediram anonimato por questões de segurança, afirmam que a associação é apenas uma fachada para atender interesses dos garimpeiros, que passaram a ser cada vez mais presentes nas reuniões do conselho gestor.

Por meio da associação, os garimpeiros também pediram autorização do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) para utilizarem a Estação Ecológica (Esec) do Jari, que é de proteção integral e faz divisa com a Flota do Paru, para acessarem garimpos.

Por ser de proteção integral, a Esec só pode ser acessada com aval do ICMBio. Boa parte dos garimpos dentro da Flota estão na chamada área de amortecimento da Esec e, segundo o MPF, oferecem impactos ambientais diretos à estação ecológica.

Pini, procurado pela reportagem, criticou a ação dos órgãos ambientais e de organizações que atuam na região, afirmando que nenhuma das unidades de conservação da região "impedem nossa atividade mineral", o que não é verdade.

Em 2006, 2018 e 2021, o ICMBio fez levantamentos da extração ilegal do ouro no entorno da Esec. Os registros foram anexados a um inquérito civil instaurado pelo Ministério Público Federal (MPF) do Pará em 2022.

Em agosto do ano passado, o ICMBio emitiu recomendação para que as pistas de pouso sejam implodidas, com pedidos de ações expedidas para Ideflor-Bio, Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e ANM (Agência Nacional de Mineração), mas, até o momento, nenhuma medida prática foi tomada.

Os relatórios identificaram que as frentes de garimpo funcionam com estrutura semi-industrial, maquinário pesado e uso de cianeto e mercúrio.

Segundo o plano de manejo, havia 628 garimpeiros na área protegida em 2009. Em 2023, um novo levantamento mostrou que esse número saltou para mais de 2.000, alta de mais de 200%.

Questionada sobre as medidas adotadas contra o garimpo ilegal, a ANM disse que "foi realizado mapeamento por imagens de satélite no entorno da Estação Ecológica do Jari, em que se identificaram feições no terreno sugestivas de atividade de garimpo nas proximidades às pistas de pouso".

A agência afirma também que análise na base de dados da Anac mostra que "nenhuma das 41 pistas de pouso instaladas na região estavam homologadas".

O ICMBio, por sua vez, disse que "monitora a situação por se tratar de área contígua à Unidade de Conservação Federal Esec do Jari", mas que "os ilícitos ambientais estão circunscritos aos limites da Floresta Estadual do Paru, sob responsabilidade dos órgãos estaduais".

Já a Anac não respondeu aos questionamentos da reportagem.

ANM autorizou garimpo na Flota

Um levantamento da Infoamazonia identificou, na base da ANM, que há 753 pedidos de mineração na Flota do Paru, para exploração de diversos tipos de minérios. Parte desses requerimentos foram indeferidos ou os próprios requerentes desistiram.

No entanto, diversos pedidos ainda tramitam, inclusive com autorização para exploração de lavra garimpeira. Procurada pela reportagem, a ANM não respondeu sobre as autorizações concedidas dentro da área da Flota.

Um desses processos é o de Eduardo Pini, que tem três requerimentos para legalizar garimpos na região, incluindo o garimpo Carará, que aparece nos relatórios de fiscalização do ICMBio.

Em 2021, a ANM emitiu uma guia de utilização permitindo à Mineração Carará explorar até 50 mil toneladas de ouro por ano dentro da Flota. Apesar de a guia ter validade apenas com a apresentação do licenciamento ambiental, os relatórios de fiscalização mostram que o garimpo segue em pleno funcionamento.

Até pouco tempo, as guias de utilização eram um tipo de autorização em caráter excepcional, para uma empresa extrair quantidades limitadas de minério por tempo determinado, e só eram emitidas após o empreendedor obter todas as licenças ambientais exigidas para o início da operação.

Mas, desde 2020, após alterações promovidas no governo Bolsonaro, a emissão não demanda mais apresentação de licença ambiental, ainda que a ANM exija que a exploração só seja permitida após todas as licenças.

Na prática, o uso da guia se tornou um atalho para exploração antes da concessão definitiva de lavra, o que pode não ocorrer se forem observadas as limitações para a mineração na área da Flota.

Em outros casos, a ANM autorizou a instalação de garimpos que nunca apresentaram relatórios sobre o volume de ouro explorado, o que rendeu multas aos garimpeiros por falta de recolhimento dos impostos devidos da atividade. A agência também emitiu alvarás para exploração de cassiterita dentro da Flota.

Região sofre com desmatamento

Próximas ao angelim-vermelho, com quase 90 metros de altura, há diversas outras árvores com alturas entre 70 a 80 metros na Flota do Paru.

Para chegar até o angelim-vermelho de 88,5 metros de altura e 9,9 metros de circunferência, são necessários 15 dias percorrendo cerca de 400 km de rios cheios de corredeiras e mais 40 km a pé pela mata densa. Nem assim ele está a salvo da escalada do desmatamento e do garimpo.

Desde 2008, mais de 8.000 hectares da Flota do Paru foram desmatados. O pior momento ocorreu em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, quando 1.400 hectares foram devastados.

A reportagem foi publicada originalmente pela Infoamazonia.

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