Descrição de chapéu Planeta em Transe

Mulher que perdeu bebê em incêndios no pantanal vira brigadista

'Sei que muitas crianças sofrem com essa fumaça, como o meu filho', diz Débora Ávila, que tenta evitar tragédias em outras famílias

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Vitoria Velez
Corumbá (MS) | AFP

Débora dos Santos Ávila perdeu um filho bebê de cinco meses que adoeceu pelos piores incêndios já registrados no pantanal, em 2020. Quatro anos depois, ela se tornou brigadista e enfrenta as chamas na maior planície alagável do mundo, para que sua história não se repita.

"Na verdade, eu não gostava dos brigadistas. Eu queria culpar alguém por conta do meu filho", explica, em uma pausa para descansar do combate às queimadas históricas que novamente atingem o bioma.

Mas "quis entrar e estou trabalhando como brigadista tem dois anos". "Eu sei que muitas crianças sofrem com essa fumaça, como o meu filho. Eu quero fazer o que puder para diminuir a fumaça", conta Débora.

Retrato de mulher com roupa de proteção amarela
A brigadista Debora Ávila, em Corumbá (MS), que entrou para combate ao fogo após perder bebê que adoeceu com fumaça de incêndios - Bruno Santos - 15.jun.2024/Folhapress

Seu bebê adoeceu e morreu devido à fumaça inalada durante as queimadas, que em 2020 devastaram 30% da superfície do pantanal, terra de onças, jacarés e outras espécies, e reconhecida pela Unesco como Patrimônio Natural da Humanidade.

Este ano, a situação é duplamente preocupante porque a temporada de incêndios começou mais cedo. Desde janeiro foram registrados mais de 3.400 focos, número muito superior ao do primeiro semestre de 2020 (2.523).

"Está difícil. No ano passado, nesta época, nós estávamos nas escolas orientando, dando educação sobre o meio ambiente, para não atear fogo, [trabalhando com] a prevenção na verdade. A gente não estava no combate direto [como agora]", observa Débora, que tem 42 anos e, no resto do ano, trabalha como cozinheira em uma ONG.

De uniforme amarelo e com facão na mão, ela é a única mulher no contingente de 45 brigadistas do programa PrevFogo, do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Com o instrumento, abre caminho em meio à mata fechada na direção de um enorme incêndio com cerca de 7 km de extensão, detectado na véspera na zona rural de Corumbá (MS).

Mulher vestindo roupa de proteção amarela com incêndio ao fundo, perto dela
Debora Ávila em combate a fogo na zona rural de Corumbá (MS) - Pablo Porciuncula - 26.jun.2024/AFP

Em seguida, ela se equipa com um soprador, dispositivo portátil movido a combustível que os brigadistas usam para dispersar a matéria orgânica que se deposita no subsolo e alimenta as chamas.

Todo cuidado é pouco, pois o calor perto do fogo é intenso, e os ventos fortes fazem as chamas mudarem de direção e se alastrarem rapidamente.

'Penso nos meus netos'

Com a ajuda de aeronaves do tipo air tractor, cedidas pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e pelo Ibama para combater as queimadas deste ano no pantanal, a equipe de Débora consegue controlar o fogo.

Depois, os brigadistas fazem um pente-fino no terreno queimado e reviram a terra com enxadas para exterminar qualquer possível foco no subsolo —antes de partir para o combate do próximo incêndio, em jornadas que podem se estender de manhã cedo até tarde da noite.

Segundo o coordenador do PrevFogo/Ibama em Mato Grosso do Sul, Márcio Yule, a partir desta quinta-feira (27) começaram a chegar mais cem brigadistas do Ibama vindos de diversos estados como Goiás, Rondônia, Rio de Janeiro e Bahia. Além disso, o governo federal também anunciou o envio de bombeiros dos estados que compõem a Força Nacional.

Vista aérea de fumaça em uma planície
Incêndio em Corumbá (MS), em 24 de junho, em imagem de satélite da Planet, divulgada pelo do programa Brasil Mais, do Ministério da Justiça - Divulgação/Planet/SCCON

Nascida e criada em Corumbá —ou "pantaneira mesmo", como se define—, Débora admite que agora ama o ofício e sente orgulho de ser a primeira mulher de sua equipe. "Quando eu estou ali, penso nos meus netos", diz ela, que já tem uma neta.

"Meus companheiros não fazem essa diferença [de gênero]. Ali [no combate aos incêndios] somos todos iguais", afirma, com um sorriso.

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