Estudo aponta manguezais como grandes sequestradores de carbono na amazônia

Ecossistema possui estoque de carbono no solo cerca de quatro vezes maior do que o encontrado no ambiente florestado

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São Paulo

Eles podem não ser considerados os "pulmões do mundo", alcunha também controversa dada à floresta amazônica, a maior tropical do planeta. Mas em termos da possibilidade de sequestrar carbono da atmosfera, reduzindo assim os gases de efeito estufa no planeta, os manguezais amazônicos têm uma enorme importância na luta pela crise climática global.

De acordo com um estudo publicado na revista científica Nature Communications e liderado por pesquisadores brasileiros, os manguezais devem ser incluídos no programa Redd+ das Nações Unidas, uma iniciativa da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) para recompensar financeiramente os países de acordo com suas medidas de redução de emissões vindas do desmatamento.

Tal incentivo é voltado para países em desenvolvimento e pode, inclusive, trazer o aporte de financiamento para mitigar o avanço do desmatamento.

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Manguezal próximo ao Quilombo de Mangueiras, na Ilha do Marajó, no Pará - Giovanna Stael/Giovanna Stael - 06.fev.24/Folhapress

Comparando com as propostas de redução de desmatamento nos biomas cerrado e pantanal, a inclusão dos manguezais da Amazônia no programa Redd+ pode ajudar a reduzir três vezes mais as emissões de gases estufa do que a redução de desmatamento em áreas florestadas do mesmo bioma.

Além disso, os manguezais possuem um estoque de carbono cerca de quatro vezes superior ao da floresta amazônica —indicando a importância de manter a preservação desse ecossistema. Isso porque a maior parte do carbono presente nos mangues está no solo (cerca de dois terços), enquanto na floresta o sequestro se dá pelas copas das árvores.

Em valores numéricos, os manguezais podem armazenar até 468 megatoneladas de carbono por hectare (intervalo de 181 a 903 Mg C/ha), enquanto no bioma amazônico esse valor é de apenas 129 Mg C/ha (intervalo de 34 a 604 Mg C/ha).

Já em relação à perda de floresta, a liberação de carbono decorrente de desmatamento dos mangues amazônicos estimada é de 0,9 (ou 0,2% das emissões), enquanto na floresta amazônica pode chegar a 349 (ou 75,5% de todas as emissões no bioma).

Segundo Angelo Bernardino, professor da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo) e primeiro autor do estudo, a tentativa de incluir os manguezais no programa das Nações Unidas é justamente porque eles podem passar a fazer parte do plano nacional de mitigação de gases do tipo efeito estufa.

"A inclusão avalia os manguezais como uma forma de mitigação para se evitar a perda de floresta de qualquer tipo. Com esses números, vemos que a preservação dos manguezais pode ser muito superior à da floresta", diz.

Integram o estudo pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), da USP Piracicaba, da Bélgica, da Suíça e dos Estados Unidos.

O problema era que, até então, a preservação dos manguezais não era considerada como crucial na meta nacional para redução das emissões atmosféricas.

"Esse serviço dos manguezais como locais onde podem ser encontrados grandes estoques de carbono eram desconhecidos. E aí veio a intenção de fazer esse estudo porque, para poder preservar, é preciso mensurar quais seriam esses estoques, que já se sabia que eram altos, mas eles eram ignorados na política pública brasileira de mudança do clima."

O estudo traçou, então, 190 locais onde há manguezais na costa amazônica e mensurou o total de carbono em quatro tipos hidrológicos distintos: delta de rio, delta aberto para a costa, estuarino e áreas onde houve mudança da vegetação (por desmatamento).

Em cada um deles foi medido o estoque de carbono acima do solo, o estoque abaixo do solo, aquele proveniente de desmatamento (quando há perda desse carbono da vegetação para a atmosfera) e o total no solo (considerando áreas inundáveis de manguezais).

Os manguezais têm a maior parte do carbono sequestrado no solo e só uma pequena parte acima (copas florestais), situação que é a inversa nas florestas. O problema é que no caso das florestas, como a maior parte dos estoques está acima do solo, se houver desmatamento todo esse carbono é perdido. "No caso dos manguezais, esse acúmulo de longo prazo fica preservado, uma vez que dois terços do carbono total está no solo", diz.

Segundo a pesquisa, a proteção dos manguezais é mais eficaz até na redução de emissões de gases-estufa do que em regiões florestadas. Isso porque o potencial de mitigação anual, em unidade por área, de 751 hectares de mangue na Amazônia Legal equivale à preservação de mais de 82 mil hectares de mata secundária em termos de mitigação.

No começo do mês, em 5 de junho, o governo federal anunciou a criação do Programa Nacional de Conservação e o Uso Sustentável dos Manguezais do Brasil (ProManguezal), como uma ação conjunta entre o Ministério do Meio Ambiente, o Plano e Ação Nacional para a Conservação de Espécies Ameaçadas e de Importância Socioeconômica do Ecossistema Manguezal (Pan Manguezal) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

A ideia é que, com o plano, mais áreas de manguezais sejam protegidas.

Atualmente, os mangues amazônicos são os mais extensos e bem preservados do mundo, conforme mostrou uma série de reportagens da Folha. No entanto, nos últimos anos faltaram políticas públicas para preservação exclusiva desse ecossistema.

Na opinião do pesquisador, isso se dava, em parte, por eles serem pouco considerados de forma geral como ecossistemas com elevada biodiversidade —enquanto biomas como amazônia, pantanal e cerrado ocupam milhões de hectares, os manguezais se estendem por uma faixa litorânea e estão dispersos.

"Mas também faltavam dados, faltava informação, e a gente espera que, com esse projeto, com o embasamento deste estudo, a gente possa focar para mostrar também o valor agregado dos manguezais como serviços ecossistêmicos, isto é, aliando o seu papel de estoque, mas também de local de pesca, de habitação, de preservação da biodiversidade, principalmente o da região amazônica", diz.

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