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Planeta em Transe Livros

Livro minucioso revive história e promessa de controle do desmatamento

Claudio Angelo e Tasso Azevedo contam em 'O Silêncio da Motosserra' por que o Brasil precisa salvar a amazônia e o cerrado, se ainda der tempo

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Marcelo Leite

Colunista da Folha e autor de livros como “Promessas do Genoma” (Editora Unesp, 2007) e “Psiconautas – Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (Fósforo, 2021)

O Silêncio da Motosserra: Quando o Brasil Decidiu Salvar a Amazônia

  • Preço R$ 109,90 (472 págs.)
  • Autoria Claudio Angelo e Tasso Azevedo
  • Editora Companhia das Letras

Que leitores não se deixem enganar por Claudio Angelo ao dizer, à pág. 395 de "O Silêncio da Motosserra", que em 2011 teria abandonado a profissão para se tornar ambientalista. Uma meia verdade: o livro é obra de jornalista até a medula, um maremoto de fatos e dados a fundamentar a utopia factível de salvar a amazônia.

Após quatro anos de pesquisa e redação, fora um quarto de século na carreira de repórter e editor, Angelo entrega uma crônica detalhada da relação tempestuosa do Estado brasileiro com a maior floresta tropical do mundo. A tese é que ainda dá tempo de tentar impedir que ela vire fumaça e turbine a crise do clima já em curso.

Vista de drone de troncos no chão e fumaça
Incêndio em área desmatada da floresta amazônica em Cujubim (RO) - Evaristo Sa - 20.ago.2024/AFP


Essa premissa tem a solidez da experiência histórica. O governo federal já comandou, de 2005 a 2012, a maior redução registrada por satélites no desmatamento da amazônia. De 27.772 km2 no segundo ano do primeiro governo Lula, a devastação recuou para 4.571 km2 no segundo do abortado governo Dilma.

Na empreitada de narrar tal façanha, mais tudo de ruim que veio antes e depois, Angelo teve como co-autor um dos cérebros que assessorou Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente, Tasso Azevedo. Ele, sim, ambientalista, mas da cepa que calça valores preservacionistas com evidências de pesquisa científica.

Não poderia contar com melhor parceiro. O engenheiro florestal foi fundador da pioneira ONG certificadora Imaflora, idealizou o sistema de concessões privadas de florestas públicas e o Fundo Amazônia, foi primeiro diretor do Serviço Florestal Brasileiro e, já fora do governo, liderou a formação da rede MapBiomas.


"O Silêncio da Motosserra" nasceu de um desafio posto para Azevedo em 2019, início do quadriênio de tragédia ambiental sob Bolsonaro: o que se poderia fazer a respeito da amazônia e do clima em meio às trevas? Ricardo Teperman, publisher da Zahar, editora do grupo Companhia das Letras, propôs um livro.

"Eu sofria até para escrever as colunas n’O Globo a cada três semanas", conta Azevedo, que colaborou com o jornal fluminense por uma década, de 2011 a 2021. "Dá trabalho escrever, só faço bullets." Surgiu então a ideia de encarar o desafio na companhia de Angelo.

O jornalista já alimentava a ideia de narrar os sete anos em que as motosserras calaram desde antes da publicação de "A Espiral da Morte" (2016), sobre a mudança climática, pela mesma editora Companhia das Letras. O projeto nunca foi em frente. Precisou do fórceps da eleição do pior presidente do Brasil para nascer.

Boa parte da apuração jornalística para o livro foi realizada em dupla. Angelo e Azevedo viajaram juntos pela BR-163, a rodovia Cuiabá-Santarém que Marina e sua equipe de 2003-2008 tentaram transformar em laboratório de gestão ambiental saudável, para prevenir a devastação que sempre vem com o asfaltamento de estradas na amazônia.

Deu no que deu, com Dilma, Temer e Bolsonaro no comando do país. Garimpo, grilagem e o infame Dia do Fogo, em 10 de agosto de 2019, quando fazendeiros bolsonaristas inundaram o Pará com fumaça. Qualquer semelhança com os incêndios da semana passada em São Paulo não terá sido coincidência.


Jornalista e ambientalista também entrevistaram juntos atores importantes do drama amazônico como Fernando Henrique Cardoso e Thomas Lovejoy. Coube ao repórter, contudo, escarafunchar arquivos como o do Itamaraty, onde encontrou correspondência do chanceler Abreu Sodré ao presidente José Sarney dando conta da boa acolhida à proposta brasileira de sediar no Rio a cúpula Eco-92.

Angelo levantou ainda pistas pré-históricas desconhecidas até por jornalistas tarimbados, como os primórdios do monitoramento da floresta nos anos 1970 por insistência da química paraense Clara Pandolfo, da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia). Outra foram os jantares sobre amazônia organizados na mesma época, em Washington, D.C., pela arqueóloga Betty Meggers, nos quais se arquitetou a articulação internacional em defesa da floresta.

Angelo produziu o manuscrito, mas credita a Azevedo o lampejo central de que 1988 e 1989 foram os anos decisivos para mudar a mentalidade nacional sobre a amazônia. Naquele ano se tornaram notícia internacional os incêndios detectados no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) por Alberto Setzer, outro dos 136 entrevistados para o livro.

Em dezembro de 1988 ocorreu o assassinato do líder seringueiro acreano Chico Mendes, que teve como companheira de lutas uma jovem professora tornada ministra do Meio Ambiente. Perguntei aos dois autores que chances há, hoje, de Marina reeditar a queda na devastação da floresta amazônica —e agora também do cerrado, onde se concentra no presente a sanha ruralista contra o ambiente.

A resposta mais animadora veio do ambientalista. Azevedo destaca que hoje há muito mais instrumentos para monitorar o desmate, como os alertas automáticos gerados em tempo real pelo MapBiomas, e a nova consciência na parte menos atrasada do agronegócio, apesar da banda ogra que o representa no Congresso.

"Hoje é uma vergonha ter desmatamento na sua cadeia produtiva", assinala. A amazônia está ocupando o espaço que era da mata atlântica nos anos 1980, diz, referindo-se ao tempo em que se formou o consenso contra sua destruição. E a amazônia da vez é o cerrado.


Angelo concorda, chamando atenção para um dado sempre repetido pelo companheiro de livro: quase não há mais desmate feito legalmente na amazônia. Para zerá-lo até 2030, como promete oficialmente o governo brasileiro, basta ir atrás dos infratores.

"Pode repetir [a façanha de 2005-2012] e ir além —se o governo quiser e agir, tem todas as condições do mundo para zerar." O problema, para o jornalista, está na incerteza imposta pela realimentação da mudança climática, para a qual o Brasil contribui como quinto maior emissor de carbono com a agropecuária e o desmatamento.

O ressecamento da floresta pelo aumento da temperatura na atmosfera global abre a perspectiva de que ela colapse, presa numa espiral de degradação. "Com essas duas megassecas em sequência na amazônia, a gente não sabe ainda o que vai acontecer. Estou bem cabreiro. Vai adiantar alguma coisa zerar o desmatamento?"

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