Árvores da amazônia sofrem estresse hídrico na estação seca mesmo sem perder as folhas

Com estruturas mais verdes no período, maior floresta tropical do mundo aumenta perda de água por fotossíntese, diz novo estudo

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São Paulo

Mesmo com o crescimento das folhas na estação, a floresta amazônica, a maior floresta tropical do mundo, sofre com estresse hídrico no período seco devido ao aumento da atividade fotossintética.

À medida que se aproxima a estação seca na amazônia (que vai de maio a setembro), o dossel (nome dado ao conjunto de copas das árvores) cresce. Esse fenômeno de aumento das folhas, conhecido como "greening", leva a uma maior perda de água devido à atividade de fotossíntese.

Contrariamente ao que apontavam estudos passados, em vez de economizar na água para a estiagem, as plantas da floresta tropical vivem em um momento de estresse hídrico, mesmo com as folhas perenes (isto é, que não caem na troca de estação).

Área desmatada em uma fazenda as margens do ramal LP45 em Vila Nova de Samuel, no município de Candeias do Jamari (RO) - Lalo de Almeida/Folhapress

Como resultado, o prolongamento das secas na amazônia e também a ocorrência de estiagens mais intensas podem levar a um desbalanço hídrico severo na maior floresta tropical do planeta.

Os achados foram apresentados em um artigo científico publicado nesta sexta-feira (6) na revista especializada Science Advances.

Segundo Xu Lian, autor principal do estudo e pesquisador do departamento de Engenharia Ambiental e da Terra da Universidade Columbia, em Nova York, a descoberta de que há estresse hídrico nas plantas amazônicas mesmo com o aumento da vegetação é contra intuitivo.

"Condições estressantes vão limitar o acesso das plantas aos recursos hídricos, de modo que elas utilizam a água para as atividades mais importantes. O crescimento de novas folhas é a primeira prioridade neste período, pois elas podem aproveitar a luz abundante", disse Lian, em entrevista à Folha.

"Embora florestas tropicais experimentem estresse hídrico durante a estação seca, isso ainda está dentro da faixa à qual elas podem se adaptar por meio de sua resiliência e resistência inerentes. Além disso, à medida que a eficiência de captação de carbono aumenta, ela se prepara para a próxima estação chuvosa, quando as folhas podem fixar carbono de forma mais eficaz. É uma estratégia inteligente na minha perspectiva", afirma.

O estudo utilizou uma metodologia inovadora. A partir de dados de satélite, Lian e colegas calcularam uma taxa chamada de VOD (profundidade óptica vegetativa, na sigla em inglês), que consiste em calcular duas medidas (eixo L e X, grosso modo, a profundidade e a largura do dossel florestal) para saber a quantidade de uso de água em cada parte da planta. O X seria a largura das plantas e o L o tronco das mesmas.

A diferença do VOD noturno (quando não existe luz solar e as plantas não fazem fotossíntese e, portanto, economia de água) para o diurno (quando a atividade é intensificada e é maior o gasto hídrico) pode ajudar a inferir o estresse hídrico.

Outra medida utilizada pelos pesquisadores foi a emissão de isopreno, um composto volátil que é um subproduto da fotossíntese. Sob estresse hídrico, as plantas fecham parcialmente seus estômatos (células associadas à fotossíntese) para evitar a perda excessiva de água, mas isso resulta em uma menor quantidade de CO2 (gás carbônico) entrando nas células. Como resultado, há um excesso de energia que é liberado na forma de isopreno, explica.

Compreender esses mecanismos é fundamental, uma vez que o funcionamento da maior floresta tropical do planeta durante as estações úmidas versus secas pode ajudar na criação de políticas públicas. "Para mitigar o impacto de secas mais frequentes e severas na floresta amazônica são necessárias intervenções políticas e engajamento comunitário. Embora os impactos das secas sejam regionais, a crescente frequência destes eventos está ligada diretamente à mudança climática global", afirma.

No caso da amazônia brasileira, um relatório do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que também utiliza dados de satélites, aponta que o bioma apresenta a pior seca da história, com recorde de registros de incêndio no mês de agosto.

O Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) divulgou também, na última quarta-feira (4), que o país vive a pior seca histórica.

Como o estudo de Lian e colegas utilizou dados de toda a floresta, incluindo o Brasil, modelos preditivos de maior estresse hídrico na amazônia podem servir como base científica para reduzir o impacto no futuro.

"A ação mais crucial que podemos tomar é garantir que essas florestas sejam submetidas a distúrbios mínimos. Preservar a integridade desses ecossistemas intactos permite que mantenham suas funções naturais. Assim, proteger essas florestas do desmatamento, incêndios e outras atividades humanas é fundamental para manter sua saúde e sustentabilidade", completa o pesquisador.

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