Conheça o 'messias das plantas', que desafia a extinção para proteger as espécies mais raras

Carlos Magdalena recebeu o título de salvador pela sua contribuição a pesquisa e cuidado com as plantas.

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Silvana Paternostro
Londres | The New York Times

Na Austrália, ele foi caçar plantas de helicóptero e atravessou águas infestadas de crocodilos para ver um nenúfar florescer. Nas Ilhas Maurício, coletou um espécime na beira de um penhasco. No mês passado, procurando lírios em um afluente do rio Orinoco, na Colômbia, repleto de piranhas, pulou de prancha em prancha na escuridão completa, às quatro da manhã, para chegar a um flutuante.

"Não é que eu seja tão ousado assim. Essas situações simplesmente surgem, e não são extremas como as do Superman. Às vezes, é mais Peter Sellers do que Indiana Jones", disse Carlos Magdalena, pesquisador de horticultura do Jardim Botânico Real de Kew, em Londres.

Um homem com cabelo longo e barba, usando uma camiseta sem mangas, está cuidando de um arbusto de rosas cor-de-rosa em um jardim. Ao fundo, há uma estufa grande sob um céu parcialmente nublado.
Carlos Magdalena examina flores nos Jardins de Kew, em Londres - Andrea DiCenzo - 24.jun.2024/NYT

Sua responsabilidade principal nesse complexo de jardins e instituições de pesquisa é cuidar das plantas tropicais. Mas ele também é conhecido como "o messias das plantas", título concedido por um jornal espanhol, em 2010, por seu resgate de várias espécies vegetais à beira da extinção.

Sua fama se ampliou quando David Attenborough, decano britânico dos documentários sobre a natureza, repetiu o slogan de "messias das plantas" na estreia de um de seus filmes, em 2012, que incluía uma cena de Magdalena propagando o lírio pigmeu.

A atenção, sobretudo de uma figura tão venerada como Attenborough, de início o assustou. "Imagine como é quando um Deus chama você de messias", contou.

É apropriado que o momento estelar de Magdalena no documentário o mostre trabalhando com lírios, ordem de plantas pela qual é apaixonado e a primeira que ele cultivou quando tinha oito anos na propriedade de seus pais, um pedaço de terra na região das Astúrias, no norte da Espanha. O lírio pigmeu foi o que ajudou Magdalena, agora com 51 anos, a ganhar a atenção do público.

O menor nenúfar do mundo, Nymphaea thermarum, cuja flor tem o tamanho de uma unha, era uma das estrelas do Jardim de Kew. Em 2014 foi roubado. O ladrão nunca foi pego, mas Magdalena, que cuidara da pequena planta, deu entrevistas à imprensa, explicando a raridade da flor, nativa de Ruanda. Desde então, assumiu o papel de porta-voz do silencioso reino vegetal. "As plantas não falam, não choram e não sangram. Por isso, decidi falar por elas", afirmou.

Caçula de cinco irmãos, ele era um estudante mediano, mas devorava a enciclopédia de jardinagem de seus pais; já a havia lido 12 vezes quando completou oito anos. "Eu preferia viver com as formigas", disse sobre sua infância.

A mãe cultivava flores e o pai se dedicava à agricultura como hobby, de modo que a natureza se tornou central na visão de mundo de Magdalena. O avô o levava em passeios de burro, apontando o nome das plantas e dos animais, hábito que ele herdou. "Nunca superei aquela fase em que as crianças apontam para tudo na natureza."

Com poucas oportunidades de trabalho nas Astúrias, onde administrava um bar, se mudou para Londres em 2001. Em muitos aspectos, o Reino Unido era diferente do lugar onde ele nasceu, mas ambos tinham algo em comum: paisagens úmidas e verdes. No começo, ele trabalhou no setor de hotelaria. Até que, em um dia de 2002, foi ao Jardim de Kew.

Observando através da condensação que nublava as janelas de uma estufa tropical, ele sonhou que "todas aquelas plantas poderiam estar à minha disposição". Enviou um e-mail à Escola de Horticultura de Kew, e o diretor o convidou para uma visita. Os dois se deram bem, e, apesar da falta de qualificações profissionais ou acadêmicas, Magdalena conseguiu um estágio não remunerado.

Quatro meses depois, começou um trabalho temporário como assistente de propagação na estufa dos seus sonhos. "Era a hora de eu me destacar."

A primeira planta que salvou da extinção foi o café-marrom, ou Ramosmania rodriguesii, árvore que atinge a altura de um homem e tem flores brancas características em forma de estrela. Endêmica da ilha mauriciana de Rodrigues, nenhum exemplar vivo havia sido visto desde 1877 —até que uma criança de uma escola encontrou outro espécime, há cerca de 45 anos.

Um corte da planta foi enviado para o Jardim de Kew e, embora o clone tenha florescido, a planta não produziu sementes —até a chegada de Magdalena. No que se tornou parte da tradição botânica, ele passou cinco meses estudando intensamente a planta. Depois de muitos experimentos e 200 tentativas de polinização, conseguiu obter sementes, e cerca de 20 delas foram enviadas para Maurício, onde a bela flor agora pode ser vista novamente.

Por mais que tenha obtido um diploma da escola de horticultura de Kew —para ele, "a Oxford da jardinagem"—, Magdalena é conhecido por recorrer menos às técnicas tradicionais e mais a abordagens não convencionais.

Para salvar o lírio-pigmeu, pegou sementes emprestadas de um jardim botânico alemão. Por mais que elas tenham germinado, morreram rapidamente. "Uma extinção iminente", disse. Ele tentou de tudo, cultivando as sementes em água ácida e alcalina, e variando condições como a luz e a temperatura. Nada funcionava.

Uma noite, Magdalena se perguntou se a dificuldade em germinar o pequeno nenúfar estava relacionada à quantidade de dióxido de carbono (CO2) à qual as plantas estavam expostas. "Elas precisam de luz, água, nutrientes. Mas também de dióxido de carbono", explicou. Lembrou que os nenúfares em seu habitat natural, em Ruanda, cresciam em um riacho raso, e que há muito mais CO2 acima da água do que abaixo, então mudou a profundidade da água que estava usando em seu experimento na tentativa de que recebessem mais do gás —e funcionou.

Por mais que sua fama inicial se deva aos mininenúfares, seu maior feito é com os nenúfares gigantes —mais conhecidos como vitórias-régias. A espécie faz parte das exposições de verão dos Jardins de Kew, e são exibidos em uma estufa especial.

Em 2007, seu trabalho incluía o cuidado das duas únicas espécies conhecidas: Victoria amazonica e Victoria cruziana. As plantas foram nomeadas em homenagem à recém-coroada Rainha Victoria, para garantir o patrocínio dela aos Jardins de Kew.

Cuidando das enormes plantas, Magdalena se tornou cada vez mais obcecado e passava as noites pesquisando sobre elas na internet. Foi então que se deparou com uma foto da folha de vitória-régia mais estranha que já tinha visto e suspeitou que se tratava de uma espécie desconhecida.

Entrou em contato com o proprietário da foto, que havia encontrado esse nenúfar anormalmente enorme nos lagos amazônicos da região de Beni, no norte da Bolívia, e transplantado cortes dele para um lago artificial em Santa Cruz, no mesmo país.

Alguns anos depois, Magdalena estava na Bolívia, ensinando uma comunidade local a cultivar castanhas-do-pará de forma mais eficaz. Tirou alguns dias de folga, e foi ao lago daquele homem para ver os misteriosos e enormes nenúfares pessoalmente, e persuadiu o proprietário, com a ajuda do Jardim Botânico de Santa Cruz, a doar algumas sementes aos Jardins de Kew.

De volta a Londres, quando as sementes bolivianas começaram a crescer com folhas e flores que tinham um aspecto diferente do que estava acostumado, começou a suspeitar que estava diante de uma terceira espécie de vitória-régia, ainda sem nome.

Prosseguiu sua pesquisa com cautela, plenamente consciente de que era incomum no campo da ciência botânica que "um jardineiro como eu", como disse ele, pudesse ajudar a identificar uma nova espécie. Mas suas observações acabaram por convencê-lo, e a comunidade científica concordou.

Um homem está em uma lagoa, cuidando de grandes folhas de Vitória-Régia. Ele está agachado na água, segurando uma das folhas, enquanto várias outras flutuam ao seu redor. O ambiente é verde e tropical, com plantas ao fundo.
'Messias das plantas' avalia uma vitória-régia da Amazônia no Conservatório Princesa de Gales nos Jardins Botânicos Reais de Kew, em Londres - Andrea DiCenzo - 24.jun.2024/NYT

Em quatro de julho de 2022, o Jardim de Kew anunciou a descoberta de uma terceira espécie de vitória-régia, que foi batizada como Victoria boliviana Magdalena & L. T. Sm., sendo o segundo nome uma homenagem à contribuição de Lucy T. Smith, botânica e ilustradora dos jardins, que compartilhou a convicção dele de que se tratava de uma nova espécie.

A atenção da mídia foi intensa. "Ainda estou dando entrevistas. Ontem foi para uma emissora de televisão alemã", contou Magdalena, que acredita que mais espécies de nenúfares gigantes possam estar esperando para ser descobertas.

Por mais que o apelido de "messias das plantas" de início o tenha incomodado por parecer pretensioso, ele acabou por adotá-lo e o usou como título de um livro. "Na Espanha, 'messias' é um sinônimo de Jesus Cristo, o que não sou. Mas, para a cultura anglo-saxã, é mais como alguém que tem uma missão e coisas a dizer na luta por uma causa", comentou.

Sua fama e sua franqueza nem sempre foram bem recebidas no refinado mundo da jardinagem. Mas Magdalena disse que não se importa em incomodar as pessoas e que não pretende diminuir o tom em defesa do mundo vegetal, ao qual deseja atribuir o mesmo carisma que o reino animal desfruta.

"Precisamos parar de pensar que as plantas são só o verde de fundo. Não é incrível?", perguntou Magdalena, apontando para a floração de um antúrio-titã, também conhecido como flor-cadáver. O cheiro podre da mais fétida de todas as plantas é uma estratégia evolutiva para atrair polinizadores.

Sua voz depois assumiu um tom mais sério ao falar sobre a corrida para salvar o maior número possível de plantas antes que desapareçam para sempre. "Ainda existem mais de cem mil espécies ameaçadas que estão sentadas no bar tomando sua última cerveja. Não tenho mais nada a fazer. Só isso", disse o ex-barman.

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