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Perereca ameaçada sobrevive bem na Fazenda Água Limpa, em Brasília

Anfíbio serve como um indicador da qualidade das águas que se originam nas áreas altas do cerrado

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São Paulo e São Paulo

A chuva tinha parado quando Reuber Albuquerque Brandão, 49, chega às 18h45, acompanhando a reportagem da Folha, à Fazenda Água Limpa. Um lobo-guará cruza na frente da Kombi dirigida pelo herpetologista, mas o vertebrado que buscamos é bem menor.

Os 4.500 hectares (45 km2) da área experimental da Universidade de Brasília (UnB), a poucos quilômetros do Plano Piloto, fervilham de vida silvestre. Na parte mais alta, a água escorre por gretas no terreno formando pequenos córregos; basta um passo para atravessá-los.

O biólogo Reuber Brandão, do Laboratório de Fauna e Unidades de Conservação da Universidade de Brasilia, observa uma perereca da espécie Pithecopus oreades em uma área de cerrado na fazenda da UNB, próximo a Brasilia - Lalo de Almeida/Folhapress

O coaxar é intenso, e Brandão começa a enumerar os cantores: Dendropsophus minutus, perereca amarela de trinado agudo; Physalemus cuvieri, sapo-cachorro, que late como tal; Boana buriti, perereca-de-pijama, assim apelidada pelas listras que cortam o corpo de ponta a ponta.

Ouvir é uma coisa, ver é outra. O primeiro réptil avistado após o pôr-do-sol não é um batráquio, mas uma cobrinha: Chironius brazili, dois palmos de verde silencioso repousando enroscada sobre folhas de um arbusto do cerrado.

Mais alguns minutos de procura e enfim aparece a vedete vocalizadora da noite: Pithecopus oreades, ou perereca-de-folhagem-oreádica, descrita em 2002 por Brandão. O nome científico do gênero (do grego "pithekos", macaco) alude ao estilo simiesco de locomoção lenta entre galhos, sem saltos.

Ao esticar membros para caminhar de folha a folha, a P. oreades (cujo segundo nome remete às ninfas gregas das montanhas) revela um padrão marcante de vermelho reticulado em preto. O segredo colorido fica oculto entre dobras do verde predominante do corpo quando ela se encolhe.

A perereca depende dos riachos cristalinos para se reproduzir. Fêmea e macho fazem ninhos de folhas enroladas sobre pequenos poços nos córregos, de onde os ovos tornados girinos pingam sobre a água mais calma em que desenvolverão membros e perderão a cauda.

Por causa dessa dependência de águas com temperatura de 20ºC a 27ºC, a perereca serve como um indicador da qualidade das águas que se originam nas áreas altas do cerrado, cerca de 15% do bioma que alimenta boa parte dos rios e hidrelétricas do país. Se desaparecer, é sinal de que os recursos hídricos não vão bem.

Brandão foi procurado pelo Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF) para estudar a conservação da P. ayeaye, prima da perereca brasiliense que vive na Serra da Canastra (MG) e está criticamente em perigo, segundo a Lista Vermelha de espécies ameaçadas.

Sugeriu então que o projeto abrangesse outras três espécies aparentadas, entre elas a P. oreades, que podia monitorar a meia hora de carro da UnB. Nascia o projeto Conservação de Pithecopus ayeaye, Espécies Relacionadas e Seus Ecossistemas, financiado com US$ 46 mil (R$ 262 mil) pelo CEPF no período 2019-21.

A equipe de Brandão visitou 68 localidades de ocorrência em montanhas e serras, quase sempre áreas frágeis de cerrado, ameaçadas por desmatamento e expansão urbana. Modelos de distribuição das populações indicaram áreas prioritárias para conservação.

Com base nisso, o próximo passo é buscar convencer proprietários a criar reservas particulares de patrimônio natural (RPPNs) em Goiás e Minas Gerais. Enquanto conseguirem ouvir o coaxar das Pithecopus, seres humanos poderão contar com água boa e limpa —mesmo na vizinhança da rumorosa capital federal.

Os jornalistas Lalo de Almeida e Marcelo Leite viajaram a convite do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e do Fundo de Parceria para Ecossistemas Críticos (CEPF)

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