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Jornalista, escreve sobre gastronomia e vinhos há mais de 20 anos. É cofundadora do projeto social Refettorio Gastromotiva e autora de livros de receitas.

Como beber vinhos na era dos 'tirano-hipsters' e não seguir a moda

Cuidado com sommeliers de wine-bars que te forçam a provar bebidas; quem escolhe é você

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Juro que tento frequentar bares de vinho numa boa, aberta a gostar de estranhezas, sendo fofa e "facinha". Evito me sentir um ET quando o cara atrás do bar reage ao meu pedido com um misto de impaciência e desprezo. Procuro não rasgar dinheiro em líquidos que custo a engolir e deixo na taça.

Minha primeira vez em um wine-bar foi em Montréal, há mais de década. Escaneei as dezenas de garrafas que nunca tinha visto, perdidaça. Minha vergonha daquela galera jovem toda olhando pelo canto do olho era tanta que bebi duas taças em dez minutos para anestesiar o desconforto.

Anos depois, meu primo Luizinho me levou ao Sede 261, um wine-bar ultra descolado em Pinheiros, em São Paulo. A sommelière-patroa, simpática, me olhou como se estranhasse minha presença e —de novo!— me senti intimidada. Tomei um vinho branco que ela me serviu por escolha própria —ainda tenho gravado na memória que a taça era finíssima, cristal de primeira— e senti que era ela quem mandava no que as pessoas bebiam ali.

Isso foi em 2017, quando eu vinha acompanhando pelo Instagram e pelas revistas o hype dos bares de vinho jovens e descolados. "Pô, da próxima vez que eu for a Paris, capital mundial de wine-bars, vou fazer o tour completo!", eu pensava. 

Finalmente, em 2019, chegou a ocasião. Convidei uma amiga e lá fomos nós. Começamos no templo hipster, o Septime La Cave. O barman me serviu o primeiro vinho que estava rabiscado na lousa atrás do bar. Era horrível, então pedi para provar o segundo da lista. Era horrível, então pedi o terceiro da lista. Era horrível, então pedi o quarto. Era horrível, então passei para o tinto.

Bar Septime la Cave, em Paris, na França - Alexandra Forbes

Minha amiga gargalhava. E ia acompanhando. Quando concluímos que os quatro tintos servidos em taça também eram bem "maomeno" decidimos radicalizar e pedir uma garrafa que fosse um tiro certo. Pedi a carta.

"Carta?! Não tem", disse o bonitão atrás do balcão. "Escolhe aí e me fala." Para escolher eu tinha que olhar as garrafas nas prateleiras, à meia-luz, pedindo licença para os bêbados e os namoradinhos. Achei um bom. Pedi. Bebemos, aliviadas.

Ainda não quis me dar por vencida. Fomos a outro lugar sugerido por amigos, o Clown Bar. Já chegamos vacinadas. Já sabendo que quem comanda o discurso no wine-bar é o sommelier. Exigir ver a carta pode ser uma gafe. Chegar com certezas e já sabendo o vinho que quer pedir, idem. Bem submissa, deixei ele nos trazer o que ele quisesse. Veio um Gevrey Chambertin mais que delicioso e bastante caro. Mas o garçom sorria para nós, achava graça nas nossas perguntas, ufa! Eu paguei feliz por aquele tinto da Borgonha —porque ele não me lançou olhar de reprovação como fizeram no Septime La Cave.

Mês passado fui a um dos wine-bars mais badalados e bem recomendados de Copenhague, o Ved Stranden 10. Os sorrisos dos três caras atrás do balcão me confortaram, entrei sem timidez. Estava lotado às sete da noite, mas os três mosqueteiros deram jeito, me botaram num canto e me serviram um belo Borgonha branco orgânico em uma maravilhosa Zalto —a Ferrari das taças. Todo mundo bebe vinho em Zalto naquele bar. Dez pontos a favor, logo de cara! Que luxo!

Bar Ved Stranden, em Copenhague, na Dinamarca - Alexandra Forbes

Fiz amigas. As duas moças, gatas, super apaixonadas por vinho, me enchiam de perguntas, empolgadas. Aí nosso garçom-sommelier serviu branco da região do Jura, meio oxidativo, e trouxe o queijo perfeito (dinamarquês) para acompanhar. Deixei-me levar porque  —adivinhem!— ali tampouco existe carta de vinho, as garrafas ficam expostas em prateleiras que forram as paredes, para quem quiser garimpar.

 
Uma das garotas confessou: "Adoro tintos com aromas de floresta, de estábulo, de cogumelos". Toda me achando em meu novo papel de coach de vinhos, zarpei da mesa ao balcão atrás do sommelier para surpreendê-las com um vinho naquele estilo. Animada, anunciei: "Agora queremos passar para um tinto de Pomerol, por favor". Ele falava um francês perfeito e tinha morado um bom tempo na França e, portanto, conhecia bem aquela sub-região de Bordeaux, minha favorita. Arregalou os olhos e riu: "Desculpe, mas aqui não temos esse tipo de vinho".

Senti minhas bochechas queimando de vergonha por ter pedido o néctar proibido em um bar descolado "Alexandraaaaa, não! Quem mandou fazer isso?", pensei. Dei três passinhos para trás, bati em retirada. Pedi desculpas às duas, explicando que o cara tinha levado um susto com meu pedido. O estilo preferido de tinto ali é o mesmo que faz sucesso em todos wine-bars que já fui. Claro, translúcido e pouco alcoólico, podendo ter gosto de suquinho de uva.

Aprendi pelos wine-bars de Londres, Paris e Copenhague que meu gosto em vinhos —especialmente tintos— está fora de moda. Pedir um Bordeaux em um wine-bar da nova geração pega mal. Loire, Borgonha e Rhône é que são as regiões hype. Eslovênia e Geórgia, mais ainda.

Outra regrinha não dita: parte dos vinhos oferecidos tem que ser natural e/ou turvo. Quanto mais cool o bar de vinhos mais é comum servir brancos com aroma de maçã, sidra, pum ou repolho cozido. Os heróis nesses bares são os pequenos produtores artesanais, como se tamanho fosse documento (quanto menor, melhor?!). Falhas de vinificação (alô, enxofre!) são perdoadas porque afinal de contas, o(a) vinhateiro(a) queria deixar a natureza falar. Não é lindo?

 

Que saída? Parar de sentir vergonha por gostar de outras coisas do que dita a moda, oras! Que eu saiba, ainda é permitido preferir rótulos de regiões démodés, assim como pedir para ver a carta de vinhos (mesmo que tenha caído em desuso) e fazer perguntas até chegar a um vinho que agrade.

Me alegro com a multiplicação de wine-bars hipsters, inclusive no Brasil. Mas não pensem eles que todos clientes mergulharão de cabeça em fermentados New Age como dóceis carneirinhos, tomando as palavras de sommeliers como verdades absolutas. Às favas com a evangelização do consumidor e com as recomendações de vinho que soam como ordens. Aos "tirano-hipsters" eu digo: deixem-nos beber em paz!

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