Alexandra Forbes

Jornalista, escreve sobre gastronomia e vinhos há mais de 20 anos. É cofundadora do projeto social Refettorio Gastromotiva e autora de livros de receitas.

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Alexandra Forbes

Vinhos naturebas reforçam a máxima de que toda generalização é burra

Perdi a conta de quantas vezes me serviram, orgulhosos, rótulos naturais que pareciam iguais

Produção feita com garrafa de vinhos e uvas
Produção feita com garrafa de vinhos e uvas - Eduardo Knapp/Folhapress

Noite dessas fui conhecer o Corrutela, na Vila Madalena, que tem pegada sustentável e vem sendo elogiado.

Da carta de vinhos, naturais e biodinâmicos, pedi o branco Gutiflower, do chileno Cacique  Maravilla. Foi impossível disfarçar o choque! 

Os aromas de piche e repolho fermentado eram tão repulsivos que tive de pedir para levarem aquilo embora.

Como pode uma sommelière achar este vinho bom a ponto de colocá-lo na carta? “Ahhh, você é que não sabe nada sobre naturebas”, diriam membros da patrulha.

Sim, porque os fãs dos vinhos naturais e biodinâmicos, cada vez mais numerosos, tendem a ver seu crescente movimento por meio de um prisma messiânico. David e Golias.

Quem tem poucas vinhas, ara a terra com burrico, colhe com as mãos e fermenta em ânforas é herói.

Quem tem muitos alqueires, usa máquinas e adiciona sulfitos é mau. Toda generalização é burra. Biodinâmicos são vinhateiros que praticam uma agricultura em sintonia com a energia e os ciclos da lua, cuidam dos micro-organismos do solo e protegem a biodiversidade.

Eles podem, a partir da colheita das uvas, fazer vinhos orgânicos convencionais ou escolher a rota natural, o que significa intervir o mínimo possível na vinificação. Deixar as leveduras fazerem o trabalho de fermentar o mosto livres e soltas e não filtrar no final.

As fronteiras que delimitam biodinâmicos e naturais são finas e fluidas —e não existe uma cartilha internacional.

Mas, para a maioria dos natureba lovers, as minúcias importam menos do que o encanto de sentir que estão bebendo algo feito artesanalmente, sem agrotóxicos, por um pequeno produtor.

“As pessoas mentem para fazer o público sonhar”, diz o francês Michel Bettane, respeitado crítico de vinhos. “Biodinâmicos podem muito bem adicionar sulfitos como conservante, por exemplo.”

Encanto é bom —desde que não vire tapa-olhos. Perdi a conta de quantas vezes sommeliers me serviram, orgulhosos, vinhos naturais que pareciam iguais, embora viessem de países diferentes: aroma de sidra, pouco corpo e sabor ácido.

Nos defeitos, viam virtudes, porque eram fãs dos produtores. Historinhas bonitinhas de vinhateiros heroicos e virtuosos, às vezes, fazem as pessoas esquecerem o principal: a maior virtude que um vinho pode ter é ser gostoso de beber.

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