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Pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo.

A banalidade do mal

As mortes em Paraisópolis merecem repúdio, empatia em relação às vítimas e suas famílias e a reflexão sobre o trabalho da polícia

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“Acho que nunca me sonharam sendo um psicólogo, nunca me sonharam sendo professor, nunca me sonharam sendo um médico, não me sonharam. Eles não sonhavam e nunca me ensinaram a sonhar. Tô aprendendo a sonhar.” 

As palavras do jovem Felipe, estudante de uma escola pública no Ceará, deram nome ao belo documentário “Nunca me Sonharam”, de Cacau Rhoden, sobre os sonhos e desafios daqueles que vivem o ensino médio nas escolas públicas brasileiras. Elas me vieram à mente quando tomei conhecimento da desastrosa operação policial em Paraisópolis, que culminou com a morte de nove jovens em um baile funk.

O que aconteceu em Paraisópolis merece repúdio, empatia em relação às vítimas e suas famílias e a reflexão sobre como a polícia deve garantir a ordem social em uma democracia. 

O elevado número das mortes decorrentes de intervenções policiais, que produziu mais de 6 mil vítimas no Brasil em 2018, vai na contramão do que se espera de uma polícia democrática e eficiente.

As mortes causadas por policiais têm gênero, faixa etária e cor. Segundo o último Atlas da Violência do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os mortos são em sua maioria homens (99,3%) jovens entre 15 e 19 anos (77, 9%) e negros (75,4%).

Também têm endereço certo. Em São Paulo ocorreu em apenas 20 dos 645 municípios do estado, segundo a pesquisadora Samira Bueno. E na cidade de São Paulo estão concentradas nas regiões Norte e Leste, enquanto os homicídios comuns ocorrem predominantemente nas regiões centro e sul. 

É impossível não estabelecer uma conexão entre a ampliação da letalidade policial no Brasil e o discurso corrente de que o aumento da ação violenta e das mortes causadas pela polícia ajudou a reduzir o crime e os homicídios no país. Não há o menor fundamento para isso.

No caso do Estado de São Paulo, um exemplo de sucesso na redução de homicídios, a vertiginosa queda neste índice não guarda nenhuma relação com a letalidade policial.

A taxa de homicídios por 100 mil habitantes registrada em 2001 é cinco vezes maior do que a registrada em 2018. Durante o maior período de queda, a letalidade policial se manteve estável, vindo a crescer apenas em 2014, para em seguida se estabilizar.

O Rio de Janeiro tem a polícia que mais mata no Brasil. A média mensal do número de mortes provocadas por policiais subiu de 54 no ano de 2015 para 128 em 2018. Até agosto desse ano a média foi de 156 por mês. Em contrapartida, o Rio é o décimo-primeiro estado mais violento do país.

Ao analisar os dados de um período de 16 anos do Rio de Janeiro, o Centro de Pesquisas do Ministério Público do Estado concluiu que o aumento da letalidade policial em um batalhão ou delegacia em um determinado mês não está correlacionado à redução de crimes contra a vida e contra o patrimônio no mês seguinte na mesma área. 

No Brasil e no exterior há diversas evidências científicas sobre as causas da variação nos homicídios. Ciclos de violência, demografia, alterações no mercado de entorpecentes ilícitos, controle de armas, o monopólio do território por uma determinada facção criminosa e intervenções de política pública de segurança estão bem documentados como fatores que influenciam na variação das taxas de homicídios. 

Dentre as intervenções de política pública, destaca-se em São Paulo o melhor uso de sistemas de informação desde o início dos anos 2000, apoiando as decisões de patrulhamento e investigação policiais.

A ampliação da letalidade policial, portanto, além de humana e moralmente indefensável, é ineficiente e contraproducente, pois não ataca a raiz do problema da violência urbana e, ao contrário, contribui para ampliá-la. 

O discurso de diversas autoridades promovendo a ampliação da violência policial como forma de combater e reduzir o crime tem o efeito perverso de estimular decisões ilegais e violentas por parte dos policiais que estão nas ruas, além de colocar em risco a vida dos próprios policiais e de inocentes, especialmente aqueles que vivem em comunidades vulneráveis nas grandes cidades brasileiras. 

A população está, com razão, assustada com a violência. Em vez do discurso fácil e perigoso, a resposta deve ser a do investimento em inteligência policial, patrulhamento em áreas de maior incidência criminal, integração das polícias civis e militares, o fortalecimento dos órgãos de controle das polícias e a articulação de políticas sociais, especialmente as voltadas à juventude.

Discursos e decisões governamentais baseados na demagogia e no populismo matam sonhos de jovens como Felipe e de jovens como os de Paraisópolis.

De forma lenta, ao não lhes garantir educação e saúde de qualidade, ou abrupta, por meio da agressão ou de uma bala perdida. Não há maior violência do que um futuro interrompido.

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