O governo federal apresentou novas medidas de ajuste fiscal na última semana, dando seguimento e aprofundando algumas ações iniciadas no governo Temer e trazendo novas medidas na direção da redução de despesas do Estado brasileiro.
É evidente a necessidade de ajuste das contas, mas, como nos ensina o velho provérbio, “o diabo mora nos detalhes”. E um destes detalhes pode ser prejudicial ao futuro das crianças e jovens brasileiros: a possibilidade de Estados e municípios, em vez de gastarem obrigatoriamente 25% de suas receitas com educação e 15% com saúde, poderem, se a medida for aprovada, escolher como gastar 40% dos recursos livremente.
A medida tem uma roupagem racional. Os governantes poderiam distribuir as despesas de acordo com a escolha política das Câmaras municipais e Assembleias Legislativas, que representariam assim, os anseios do povo.
No mundo real, no entanto, provavelmente funcionaria de um modo diferente. A saúde é uma área sensível, mexe com questões imediatas como a dor, a possibilidade da morte, a qualidade de vida.
A educação é uma área cujos resultados não são muito bem compreendidos pela população e muitas vezes ultrapassam gestões, o que torna mais complexa a conversão das ações em dividendos políticos.
Entre inaugurar um vistoso hospital ou posto de saúde no último ano da gestão e investir em educação, como racionalmente agiria um prefeito candidato à reeleição?
Nesse ponto estou com o ministro Guedes, os políticos são racionais e estão sempre em busca de maximizar os resultados de suas ações em sua moeda: o voto.
A economista Joana Monteiro realizou uma pesquisa que talvez nos ajude a refletir sobre a medida proposta.
Com o boom da produção nacional e dos preços de petróleo entre os anos de 1997 e 2010, a receita de royalties de petróleo dos municípios do Estado do Rio de Janeiro subiu de R$ 97 milhões para R$ 3,3 bilhões no período.
A autora buscou evidências de como os municípios gastaram esses recursos adicionais e seu efeito sobre o desenvolvimento dos municípios produtores, que receberam o maior quinhão dos recursos.
A oferta de educação permaneceu inalterada —incluída aí a construção de escolas— com exceção do número de professores per capita. Se na bonança a escolha foi essa, não me parece que na escassez os prefeitos e governadores teriam incentivo para fazer diferente.
Não se trata de promover o “terraplanismo fiscal”, termo cunhado pelo meu colega Pablo Ortellado nesta Folha, mas de defender que o necessário ajuste não recaia sobre a educação.
Na cidade São Paulo tive a oportunidade de conduzir um ajuste nas contas da educação que possibilitou a universalização da pré-escola, a criação de mais de 50 mil vagas em creche, a contratação de mais de 13 mil educadores, a retomada de obras paradas e a informatização de todas as escolas em apenas 2 anos. É possível equilibrar orçamentos sem esquecer as pessoas que mais precisam do Estado.
O Brasil ainda não conseguiu universalizar a pré-escola, possui uma taxa de crianças matriculadas em creche baixíssima e enfrenta o desafio de manter as crianças e jovens na escola, garantindo-lhes educação de qualidade.
A educação é a melhor ferramenta para reduzir a desigualdade. A desigualdade, que cresceu nos últimos anos no país, também se manifesta nas educação, como demonstrou a pesquisa recente da Fundação Tide Setúbal com dados da rede municipal de educação de São Paulo, na qual os estudantes pretos e pardos obtém resultados educacionais inferiores, mesmo quando estão em escolas nos bairros mais ricos da cidade. Não vamos enfrentar essas questões submetendo o gasto público em educação ao eventual escrutínio político-eleitoral.
Em um momento de incerteza em relação à tramitação do principal fundo de financiamento do ensino básico no país —o Fundeb, que vence em 2020— acabar com a garantia constitucional de recursos para a educação nos estados e municípios seria golpear o futuro.
Que o governo federal e nossos parlamentares possam rever essa posição. E adotar o protocolo de urgência das equipes de socorro: em um acidente, as crianças vêm primeiro.
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