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Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

Descrição de chapéu Vôlei de praia

Beach tennis decolonial

Não é a Europa desembarcando em nossas areias, mas nossas areias subindo pro Velho Mundo

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Eu não devia me envergonhar. Nem pedir desculpas. Muito pelo contrário. Devia encher o peito e afirmar: faço sim, o que é que tem? Trata-se de uma atividade física que fortalece os músculos e os vínculos afetivos, aprimora o equilíbrio, a propriocepção, é ao ar livre e com os pés na areia.

Nestes últimos anos de ódio e preconceito, o esporte a que me refiro acabou com uma reputação ruim nos meios em que círculo, mais afeitos à ioga, à funcional a ao "toca Rauuul!". Tentarei aqui mudar a opinião dos que, sem conhecê-lo, o condenam: amigos, é preciso separar o beach tennis do sapatênis. Sim, tem beach tennis no coração da Faria Lima, mas não tem Faria Lima, necessariamente, no coração do beach tennis.

Adams Carvalho

De 2013 pra cá, por conta do bolsonarismo, não só famílias e amizades se separaram: nas artes, nos esportes e em todas as outras atividades humanas erigiu-se, entre direita e esquerda, um muro de Berlim. Infelizmente, o beach tennis ficou com a direita —assim como o sertanejo, a seleção brasileira, a moto, a caneta Bic e o frango com farofa.

Como ativistas do Greenpeace limpando das penas dos pássaros o óleo vazado de um Exxon Valdez, urge livrarmos todas as superfícies do país do ectoplasma nazi-fascista. (Penso agora que deveria ter iniciado a limpeza pelo frango com farofa, mas comecei pelo beach tennis, no beach tennis continuarei).

Veja, tudo nesta vida é uma questão de PR —Public Relations, o que nada mais é do que Relações Públicas com uma boa PR. O problema começa no nome em inglês: beach tennis. Ninguém fala beach volley nem foot volley. É vôlei de praia e futevôlei. No caso do tênis de praia o anglicismo soa ainda mais grave, posto que as origens do esporte estão nas areias de Ipanema, berço do frescobol. (Millôr Fernandes dizia ser o inventor, mas nunca vi qualquer evidência de sua autoria).

Se foi o filósofo do Méier, a Leila Diniz, o Barão de Itararé, o Ari Barroso, o Menino do Rio ou qualquer outra figura mítica da Guanabara, não importa, importa é que: arrá, urru, o frescobol é nosso! Proponho, portanto, que encaremos o beach tennis não como um tênis que foi à praia, mas como um frescobol que se tornou competitivo. Não é a Europa mais uma vez desembarcando em nossas areias, mas nossas areias subindo pro Velho Mundo. Sim, trata-se de um processo de decolonização do beach tennis –para usar um termo muito em voga, recém-importado pelas colônias. Deglutamos o beach tennis, diria Oswald de Andrade: menos Wimbledon, mais ziriguidum.

Não é só o aspecto coxinha, contudo, que atrapalha a difusão do tênis de praia entre nós. Há uma segunda questão. Sendo o frescobol, ao lado do sexo, o único esporte que visa o empate, há quem veja no beach tennis um desvio de finalidade, algo assim como a mercantilização do cafuné, a profissionalização do esconde-esconde, a privatização das avós.

Eu não iria tão longe. E, pensando bem, não me aterrorizaria se visse no cardápio de um hotel, entre o shiatsu e a massagem sueca, por 30 reais, quinze minutos de cafuné. Nem me oporia a ser patrocinado, na infância, para jogar esconde-esconde. Eu era bom. Poderia ter ficado rico e —quem sabe?— comprado várias avós.

Desculpem. Acho que me excedi. Talvez seja o excesso de beach tennis. Eu não devia me envergonhar. Nem pedir desculpas. Muito pelo contrário.

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