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Escritor e roteirista, autor de "Por quem as panelas batem"

Descrição de chapéu Twitter

Elon, Elsa & eu

Respiro um ar puro, sem alvejar meus alvéolos com o chorume que escorre dos fios ímpios daqueles ex-pios

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Elon Musk é, inegavelmente, um gênio. Viabilizou o carro elétrico, mandou gente pro espaço, me tirou do Twitter. Sei que pode soar um tanto egocêntrico para a grande parte da humanidade que, ao contrário de mim, não é eu, mas o terceiro feito me parece, de longe —e, principalmente, de perto— o mais importante. Respiro um ar puro, sem alvejar meus alvéolos com o chorume que escorre dos fios ímpios daqueles pios. Ex-pios, agora que o passarinho foi trocado por um X, para expiar os pecados do novo proprietário. (Tá, beleza, vou parar com as aliterações).

Minha alforria veio justamente quando o bilionário sul-africano resolveu comprar o parquinho para impedir que adultos interviessem toda vez que bullies da quinta série deixassem uma criancinha da segunda presa no alto da gangorra —ato que, segundo a turma da quinta, é puro exercício da liberdade. Para defender tais liberdades, os americanos costumam recorrer a um sacrossanto supertrunfo, "a primeira emenda da Constituição", gambiarra que, convenhamos, tem sido muito mais usada como o último refúgio da destruição.

No que o Twitter virou X, recebi uma mensagem avisando que eu teria que alterar uma certa verificação em duas etapas. Segui as instruções e quando dei por mim não conseguia mais acessar o outrora denominado "microblog". Eu punha o nome do usuário, a senha, aí me pediam um "código de confirmação" que nos últimos 200 dias não descobri o que "cazzo" possa ser.

No começo, como ao largar qualquer vício, foi difícil. Onde reclamar do Corinthians? Onde dar aquela lacrada sobre a fala de um BBB? Onde conferir em tempo real os cancelados e descancelados do dia? Onde dar minha opinião a respeito da inocência ou culpa da protagonista de "Anatomia de uma Queda"?.

Aposto que, neste exato momento, tem gente me xingando no ex-Twitter por "dar spoiler" de "Anatomia de uma Queda", com o mesmo extremismo e conhecimento de causa com que opinam sobre reforma tributária, Ozempic ou Israel e Palestina. (A questão surge nos primeiros minutos do filme, ó, irado tuiteiro).

No passado eu leria as ofensas e me irritaria. Enredado socialmente naquele arrastão, condenado a viver eternamente no bico do corvo, como um Prometeu conectado, gastaria horas da minha curta vida sofrendo, temendo, odiando. Entraria nos perfis raivosos. Responderia com sarcasmo. Criaria desafetos. Perderia cabelo. Passaria um domingo todo, talvez, ligado hepaticamente a um moleque de 17 anos trancado num quarto na casa dos pais em Jurerê Internacional. O cortisol inundando minhas veias precipitaria doenças mortais. Isso tudo é passado.

Às vezes, numa terça ou quarta, um amigo me manda um zap: "to escrevendo pra saber se você tá bem depois de todos os ataques sobre a crônica". Pergunto que ataques são esses. Passei os últimos dias bem. Frequentei a padaria da esquina. Dei uma aula. Fiz um zoom. Joguei bola com o pessoal. (Na verdade é beach tênis, mas, mesmo sem Twitter, tenho vergonha de admitir).

Em nenhum lugar do que chamamos realidade —este template antiquado em que nostálgicos como eu teimam em viver, onde a gente respira ar e pisa no chão e se molha quando chove— recebi qualquer ataque. Naquela esteira rolante do demo, contudo, ao que parece, fizeram a minha caveira, desejaram-me o paredão, declararam que eu era um proscrito. Cancelaram-me —mas, como não enviaram um telex, fiquei na felicidade da ignorância.

"Livre estou!", digo, citando Elsa de Arendelle —e que liberdade é poder acabar uma crônica com Frozen, seguro de que jamais saberei o que dirão os zumbis digitais naquele parquinho mal-assombrado! Valeu, Elon. Valeu, Elsa.

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