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Doutor em ciências pela USP, fez pesquisa na Universidade de Yale. É divulgador científico no YouTube em seu canal pessoal e no Nerdologia

A pandemia de Covid está passando; a infodemia, não

O excesso de informações contribuiu para atrapalhar a luta contra a doença

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O Sars-CoV-2 é um vírus pavoroso. Mas sua pandemia certamente foi piorada pela infodemia, que aqui no Brasil começou há dois anos.

A Organização Mundial de Saúde define a infodemia como o excesso de informação, incluindo "informações falsas ou enganosas em ambientes digitais e físicos durante um surto de doença".

A ignorância é comum. Até o começo do século passado, não sabíamos nem quais organismos causavam pandemias. O vírus influenza só foi isolado 15 anos depois da pandemia que causou em 1918.

Residentes da área da Saúde fazem protesto em frente ao Ministério da Saúde pelo atraso no pagamento de bolsas e salários e por terem ficado de fora da prioridade da vacinação - Pedro Ladeira - 10.mai.21/Folhapress

Desinformação em saúde também é comum. Na busca por uma forma de controle sobre o que nos aflige, não faltam "terapias" para problemas que ainda não têm solução. Como a fosfoetanolamina, que já foi demonstrada como ineficaz contra o câncer em 2017, mas ainda pode ser comprada como suplemento alimentar.

E não foi diferente na Covid. No Irã, centenas morreram por beber metanol contra o coronavírus. Aqui na América Latina, as pessoas consumiram água com dióxido de cloro pelo mesmo motivo. Mas no Brasil as informações falsas e a desconfiança das autoridades de saúde foram promovidas pelas próprias autoridades.

Até março de 2020, o governo federal agiu proativamente para barrar o vírus e o ministro da Saúde avisou que o sistema de saúde chegaria ao limite de capacidade no final de abril. Daí em diante, começa o questionamento da severidade da doença (a "gripezinha"), a promoção da cloroquina, o movimento "O Brasil não pode parar" e a troca de ministros cada vez mais obedientes.

Um estudo publicado recentemente comparando as mortes por Covid nos municípios brasileiros mostra o estrago dessa campanha oficial. Em 2020, as mortes pela Covid seguiram fatores comuns a vários outros países: foram concentradas nas grandes cidades e nas regiões com menor infraestrutura de saúde, menor índice de desenvolvimento e maior concentração de renda.

Mas, em 2021, a onda da variante Gamma (a P.1) nos pegou quando muitos achavam que o pior já havia passado e depois da pulverização de medidas de saúde do Ministério para os municípios. Foi quando a infodemia fez o maior estrago.

Mentiras sobre a doença, tratamento precoce e kit Covid, o atraso na compra de vacinas e a vulnerabilidade de prefeitos à pressão de eleitores e da economia regional mudaram a distribuição das mais de 410 mil mortes registradas em 2021.

Nesta segunda fase da pandemia, entre muitas cidades que deveriam ter uma resposta à Covid comparável, aquelas com maior alinhamento eleitoral ao governo em 2018 tiveram significativamente mais mortes. Segundo os autores do estudo, no pior ano da pandemia, "ideologia e orientação política determinaram a capacidade de cada cidade de se proteger da infecção e os efeitos subsequentes sobre a mortalidade".

Estamos vendo menos mortes a cada dia no país graças às vacinas. Poderíamos ver números ainda melhores se incorporássemos ao SUS tratamentos que realmente funcionam contra a Covid, como anticorpos monoclonais e antivirais. Mas caminhamos na direção oposta.

A Anvisa, que agiu de maneira exemplar em relação às vacinas e à cloroquina, acaba de perder parte do controle sobre medicamentos com a sanção da lei nº 14.313, que autoriza o SUS a receitar e usar remédios fora das condições aprovadas pela agência —como o kit Covid.

Ainda tentam emplacar que a rainha do Reino Unido tomou ivermectina. Ainda querem pintar a pandemia de verde e chamar de endemia. A vacinação infantil ainda patina. A infodemia não acabou. E com a ajuda dela, nem a pandemia.

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