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Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

Descrição de chapéu

Cancelaram o açúcar, mas há um lugar onde o crime da gostosura compensa

O eldorado das gulodices fica no subúrbio, precisamente num imenso atacadão

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Desembrulhar papel de bala com as mãos algemadas é fácil, não nego. Impossível seria resistir ao doce submundo. Meus advogados haviam se esforçado, mas desistiram. “Como pôde descer tão baixo?” Diante do olhar implacável do júri, tremi quando o juiz bateu o martelo: “Levem-na! Antes que nos ofereça paçoca!”.

Ilustração de Marcelo Martinez para a coluna da Bia Braune de 8.mar.2021 - Marcelo Martinez

Minha ficha era limpa, até que passei a frequentar a rota do açúcar. Bastava acompanhar as estações de trem e observar a paisagem urbana mudando. Surgiam as pipas e os tênis dos moleques pendurados nos fios de alta tensão. Plaquinhas nos portões oferecendo “explicadora de matemática”. Senhoras conversando em cadeiras na calçada. Uma doçura simples que a vida do outro lado da cidade inviabilizou, com seu IPTU mais alto do que taxa de glicose dos meus comparsas.

O eldorado das gulodices fica no subúrbio, precisamente num imenso atacadão —quase um braço dos negócios do Sr. Wonka. Quando pisei ali pela primeira vez, foi como se Proust mastigasse de novo sua madeleine. Troque apenas Proust por mim, já trintona, e a madeleine por um Mirabel mergulhado em Quik de morango, como nos tempos da cantina da escola.

Em meio a emoções, refrigerantes de abacaxi e montanhas de pipoca do saquinho cor-de-rosa, avistei sacolés cujo mascote na embalagem tinha a cara do meu pai. Tudo era familiar demais, achei que estivesse delirando. E estava.

A fada da boa nutrição —Bela Gil, estampada de melancias— sussurrava: “Brigadeiro de biomaaaassa”. Em transe, eu só enxergava tijolos de bananada, caixas de maria-mole, potes de pé de moleque e saquinhos de cocô de rato (google aí se achar bizarro).

Como se manter sã, fit e politicamente correta entre marcas de peitinho de moça nos trocadilhescos tamanhos M e G? Tentei fugir, mas era a micareta de São Cosme e São Damião. Fraquejei, não me julgue. Mesmo os doces de abóbora têm coração.

Em minha defesa, nem era tão consumidora. Distribuía aquelas guloseimas por achar tocante que ainda existissem, num mundo que agora só acolhe bombons de alfarroba. Apego a tradições também é vício?

Um telefonema anônimo, porém, me delatou. Fui presa em flagrante, oferecendo suspiro a uma criança.

Hoje escrevo de uma cela, enquanto um guarda me passa Gamadinhos por entre as grades. Aguardando que paguem minha fiança, nem que seja em moedas de chocolate.

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