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Jornalista e roteirista, é autora do livro "Almanaque da TV". Escreve para a Rede Globo.

Descrição de chapéu

Condenada à uruca de aniversário, melhor ter 364 possibilidades de ser feliz

Acho ótimo dividir meu dia com o Ziraldo, Manaus e Goiânia, estão todos de parabéns, menos eu

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O beijo dado à meia-noite. Os votos pelo Facebook. Bolo. Emojis de bolo. Grupos que piscam com todas as figurinhas possíveis. Tia que telefona para desejar saúde e contar fofoca. Até carro de mensagem que estoura os tímpanos da vizinhança. Tudo isso aceito com imensa gratidão, pois adoro aniversário. O problema é que o aniversário, em si, me detesta.

Não se trata de exagero ou autocomiseração. Faço parte de uma rede de apoio a pessoas que padecem do mesmo mal e lidam, anualmente, com a "uruca de aniversário". Um fenômeno que faz com que nada dê muito certo nas 24 horas em que tudo deveria ser especial. Como se o destino atirasse um dardo num calendário, desses de parede, só que com a sua cara. E dissesse: "hoje não".

Publicado no domingo 17 de outubro de 2021 - Marcelo Martinez

No que me diz respeito, acho ótimo dividir meu dia com o cartunista Ziraldo, o canoísta Frantisek Capek (descobri na Wikipédia) e as cidades de Manaus e Goiânia. Estão todos de parabéns —menos eu. Nada, nem ninguém, tira a minha uruca.

Desconfio que ela tenha entranhado na década de 1980, quando ainda se festejava o açúcar e havia a moda dos arranjos decorativos feitos de balas de coco. Enroladas em papel crepom colorido que soltava tinta, elas criavam um arco-íris de melancolia, pois nenhuma criança pegava. Queríamos brigadeiro, mas nunca havia o bastante. Já as balas de coco, fonte renovável de amargura, sobravam para os aniversários seguintes, numa espiral de tristeza sem fim.

A partir dali, a cada virada de outubro, uma nova celebração de perrengues. De avó trancada no banheiro pelo palhaço animador da festa a coleguinha que baixa na emergência por reação alérgica a cajuzinho. Do casal de amigos que bebe e resolve brigar durante o ipi-ipi-urra a piquenique em Paquetá com penetra antipática que sai de cara amarrada nas fotos.

Diante de uma sina tão patética, busquei consolo. Li Schopenhauer e os russos. Ouvi playlists de sofrência. Fugi do perímetro urbano da uruca, juntando dinheiro para ficar mais velha em Londres. Funcionou? Claro que não. Antes que eu soprasse velinhas, houve ameaça de bomba no metrô.

Até que enfim atravessei o espelho, sendo salva por Lewis Carroll e seu conceito de "desaniversário": uma comemoração que se dá a qualquer momento, menos na data certa. Carinhosamente rebatizei de "micareta natalícia". E desde então, funciona.

Os amigos já sabem: "Dia 24 ninguém aparece!". Passei a receber presentes em fevereiro e a ser levada para jantar em maio. São 364 possibilidades de ser feliz —e com ainda mais chance nos anos bissextos. Tudo se torna surpreendente. E se tem uma coisa que adoro tanto quanto aniversário é surpresa. Só não me ofereça balas de coco.

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