É professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'
Na prova da ciência, o coach reprovou
No geral, os estudos de coaching de saúde pecam por importantes limitações metodológicas
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São muitos os fatores que contribuem para o ganho de peso corporal, entre os quais, o custo e a disponibilidade de bons alimentos, o acesso a parques, praças, academias e outros centros de lazer, o conhecimento e a cultura alimentares, as emoções ao lidar com a comida, a genética e a fisiologia. Por isso, dizemos que a obesidade é uma condição complexa e multifatorial.
Não obstante, há algumas abordagens terapêuticas que desprezam a multiplicidade de causas da obesidade e a reduzem a um único fator: a pretensa falta de motivação do indivíduo para superar suas “fraquezas” e vencer a balança.
Segue essa linha o coaching de saúde –um método motivacional que promete melhores resultados por meio do dito empoderamento do cliente e do estabelecimento de metas personalizadas, sendo o emagrecimento uma das mais comuns.
Nosso grupo da Universidade de São Paulo realizou uma revisão sistemática para avaliar os alicerces que sustentam o coaching de saúde e sua suposta eficácia para a perda de peso.
Encontramos 38 estudos que empregaram o método de coaching. Destes, cerca de 71% foram classificados como de baixa ou muito baixa qualidade metodológica. Apenas 21% atenderam ao rigor científico desejável.
No geral, os estudos de coaching de saúde pecam por importantes limitações metodológicas, tais como ausência de grupo controle e treinamento adequado dos profissionais que aplicam o método.
Muitos trabalhos sequer apresentam uma descrição detalhada da intervenção e dos seus princípios norteadores. Sem esse tipo de informação, não há como se compreender profundamente o método, o que inviabiliza sua replicação consistente em outros estudos ou na prática profissional.
Outro achado que nos chamou a atenção foi a baixa proporção de estudos com resultados contrários à eficácia do coaching.
Na ciência, chamamos isso de viés de publicação. Quando resultados negativos são omitidos –eventualmente por decisão de autores sem o interesse em divulgar o que não lhes convém–, torna-se difícil avaliar a utilidade de determinada intervenção.
Mas o que nos dizem os poucos bons estudos sobre coaching? Bem, ao compilarmos apenas os dados dos trabalhos classificados como de alta qualidade, observamos que o efeito do coaching de saúde na perda de peso é insignificante –com sucesso, vê-se, no máximo, menos 2 kg na balança.
Para que o leitor tenha uma melhor compreensão do significado desses números, é preciso dizer que outras abordagens comportamentais consagradas pela ciência –bons exemplos são a entrevista motivacional e o modelo transteórico– produzem redução de peso até cinco vezes superior à obtida com o coaching.
Podemos concluir que o chamado coaching de saúde entrega menos do que promete. Embora o método se baseie –geralmente de modo superficial e pouco sistematizado– em técnicas emprestadas da medicina preventiva, da psicologia, do marketing e até mesmo da neurolinguística, o apanhado disso tudo não resulta em eficácia da intervenção, ao menos quando o assunto é a perda de peso.
Não há solução mágica para a obesidade. Métodos que prometem facilidades e atalhos, mas que se revelam incapazes de superar o crivo científico, prestam um desserviço à saúde pública, frustram e estigmatizam o obeso e só servem aos interesses privados de poucos, que lucram com a vulnerabilidade do próximo.
Se seu objetivo é perder alguns quilinhos, invista num estilo de vida mais saudável, com o aconselhamento de profissionais cônscios da dificuldade em alcançar essa meta.
Bruno Gualano é professor da Faculdade de Medicina da USP. Fisiologista, conduz estudos sobre promoção de estilo de vida saudável para populações clínicas.
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