Siga a folha

Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

A construção da história, reflexões sobre um incêndio

Há algo de coletivo na culpa pelo que se passou no Museu Nacional, no Rio

Conteúdo restrito a assinantes e cadastrados Você atingiu o limite de
por mês.

Tenha acesso ilimitado: Assine ou Já é assinante? Faça login

O incêndio do Museu Nacional abateu-me ainda mais do que o do Museu da Língua Portuguesa, que tive a honra de ajudar a criar. A sensação foi a de destruição de parte de minha identidade, a de que queimaram a nossa história, destruíram parte do que faz de mim, nascida de pais imigrantes, brasileira. 

O fato de ver as cenas de fora do país, na Argentina, onde vim participar de um encontro de ex-ministros da educação, tornou o fato ainda mais dolorido, passou-me a curiosa sensação de que eu deveria ter impedido essa tragédia.

Por mais irreal que o sentimento tenha sido, há algo de coletivo na culpa pelo que se passou: descuidamos da nossa história, deixamos de visitar museus, de reservar recursos para a pesquisa e o registro de nossa evolução, descuramos do cuidado com a manutenção de equipamentos públicos. 

Além disso, temos uma forma de gestão de museus completamente inadequada para mantê-los vivos e fonte de aprendizagem para as novas gerações.

Mas a história não está só em museus, encontra-se nas ruas, em prédios históricos, fruto de concepções arquitetônicas que foram mudando ao longo dos anos e que podem, em programas de visitação como os organizados no centro e em bairros de São Paulo, ser elementos na formação de identidades. 

Está também na cultura imaterial e em tradições regionais que devem ser preservadas e incorporadas aos currículos que agora estão sendo elaborados pelos estados e municípios num processo dinâmico de tradução da parte da Base Nacional Comum Curricular referente à educação infantil e ao ensino fundamental.

Nesse sentido, será importante extrapolar os muros das escolas, visitando museus e fazendo da cidade uma grande sala de aula. Para tanto, é importante preparar os professores e organizar a área pedagógica dos equipamentos culturais, tornando-os aptos a receber de forma estruturada todas as crianças, entre as quais as com deficiência, como já fazem alguns deles.

Não podemos, no entanto, esquecer que a história continua a se construir. Há vários riscos nos próximos anos, alguns associados a nossa ainda incipiente educação, com resultados evoluindo numa direção positiva no ensino fundamental, embora muito lentamente, mas totalmente inadequados no ensino médio. 

Entretanto o maior risco que vivemos é o abandono de uma perspectiva civilizatória se optarmos, em outubro, por um modelo de governo em que forem abandonados os avanços que a humanidade alcançou na construção de uma sociedade menos desigual e em termos de respeito aos direitos humanos e de valorização da educação como um valor maior.

Neste caso, talvez outros outubros não virão...

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas