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Diretora do Centro de Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.

Demonizar o outro para não ter que pensar

Estigmatizar um grupo social ou étnico facilita a prática da exclusão

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Num artigo recente da revista The Atlantic, Anne Applebaum faz menção ao terrível inverno de 1932-33 na Ucrânia, quando Stálin ordenou uma busca por víveres nas casas dos camponeses. Sementes, pães, gado e trigo foram confiscados e uma grande fome se espalhou na região. Anos depois, membros das brigadas envolvidas, como Viktor Kravchenko, descreveram o triste episódio, mostrando como o jargão político ajudou a mascarar o que, de fato, eles fizeram.

Falava-se, segundo ele, da ameaça "kulak", para evitar dotar os camponeses ucranianos pobres, de quem roubavam a comida, de humanidade, de forma a esconder deles mesmos o que estavam fazendo. Até o grande escritor russo do período, Vasily Grossman, colocou na boca de um personagem palavras que denotavam um arrependimento tardio por ter retirado a humanidade dos kulaks e ter deixado seu coração congelar.

Ao ler o texto, lembrei-me de episódios em que o mesmo processo de desumanização ou demonização do outro ocorre por aqui. Afinal, a destruição do adversário é mais fácil se não precisarmos argumentar, ouvir suas teses e explicitar os motivos da discordância. Desqualificar o adversário, atribuir-lhe epítetos, em tempos de polarização política e de antecipação de campanhas eleitorais, elimina o esforço de pensar.

Da mesma maneira, estigmatizar um grupo social ou étnico também facilita a prática da exclusão, por meio de eufemismos usados para esconder de nós mesmos o que estamos fazendo. Pior ainda, a sociedade incorpora e fornece argumentos para o que Silvio Almeida descreve com precisão como racismo estrutural, em seu livro de mesmo título, cristalizando regras que naturalizam e facilitam a falta de acesso de grupos étnicos inteiros.

Novamente, aqui aparece a ideia de que o percebido como outro não partilha a mesma condição humana que os "eleitos". Nesse sentido, não haveria necessidade de explicar por que eles estariam sendo excluídos. Apenas não teriam "mérito" suficiente.

Nessa mesma edição da The Atlantic, Catlin Dickerson reporta a saga dos refugiados ucranianos na Polônia e registra a nem sempre sutil discriminação étnica entre os que lá buscam asilo, entre eles um nigeriano que viveu boa parte de sua vida na Ucrânia, onde foi completar seus estudos. Alguns voluntários tiveram que brigar com guardas dos dois lados da fronteira para permitir-lhe acesso ao país vizinho.

A desqualificação do outro, afinal, assume várias formas. Mas, aqui também, a educação pode ajudar, formando cidadãos aptos a viver na diversidade, a enxergar a humanidade no outro e a debater visões divergentes com profundidade.

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