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Escritora e roteirista, tem 11 livros publicados. Autora de "Macha".

Bolsonaro representa todos os condenados por terem dito o que disseram

Não é preciso ter poder, dinheiro ou histórico de atleta para usar a estratégia, basta ostentar uma cara de pau

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Agora que o presidente disse que não disse que a Covid-19 era só uma gripezinha, e que também disse que não existe nenhum vídeo ou áudio onde ele diga isso, abriu-se uma possibilidade para todos os processados e condenados por terem dito o que disseram. Basta dizer: eu não disse.

As gravações e os jornais deixam de ser provas. Já não interessa se foi uma piada, um xingamento ou um fato inconveniente que desagradou alguém. A partir do eu-não-disse bolsonariano, a linha de defesa dos acusados fica muito mais simples. É só negar tudo na moral. —Meritíssimo, o meu cliente disse que não disse. Danem-se os posts, os tweets e os prints. São as palavras deles contra três palavrinhas definitivas. Eu não disse.

O melhor é que não precisa ter poder, dinheiro ou histórico de atleta para usar a estratégia. É só ostentar uma cara de pau resistente a qualquer óleo de peroba. A política costuma criar essa condição, como se vê em inúmeros exemplos. E não é necessário ficar só no “Eu não disse”. Se contra provas agora existe esse monumental argumento, é possível estender o raciocínio a muitos outros casos.

Para quem é reprovado na escola: eu não tomei pau. Para quem chega às 10h quando deveria estar às 8h: eu não me atrasei. Para quem toma um flagrante: eu não matei. Para quem é pego com a mão, ou a cueca, no dinheiro público: eu não prevariquei. Para quem atropela e foge: eu não fui. Para quem não paga a pensão dos filhos: eu não e ponto.

O presidente Jair Bolsonaro em uma conferência de imprensa sobre o Covid-19 - Sergio Lima/AFP

Mas seja inteligente. Quando você negar que fez o que fez, apresente um pensamento lógico. Na mesma live em que disse que não disse que a Covid-19 era uma gripezinha, o presidente explicou por que recomendou a hidroxicloroquina contra o coronavírus: “Se você tem um mal X e foi acometido de um Y também, e você toma um remédio Z para o mal X, e o mal Y também é curado, você não chega à conclusão que esse remédio serve para os dois? É simples”.

Longe de mim apoiar a censura, mas talvez fosse uma boa colocar limite de idade nas lives de quinta-feira. Desaconselháveis para menores de 18 anos. Sabe-se lá que efeito tanta desinformação pode causar nas mentes em formação.

E a quem quiser mais dados, respostas e prognósticos sobre o que vem aí no Brasil, deixo a sugestão do presidente —antes que ele diga que não disse: pergunta pro vírus.

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