Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.
Itália funciona, com ou sem governo
A sociedade toca a vida, seja qual for o governante
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A Itália poderia servir como estudo de caso para o desencantado Brasil. Trata-se do país provavelmente recordista mundial de instabilidade política, a ponto de ter tido 65 governos nos 72 anos de República, aliás comemorados neste sábado (2).
Não obstante, o país progrediu extraordinariamente nesse longo período. Saiu da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) derrotada, humilhada e devastada.
Em tempo relativamente curto, em se considerando a destruição sofrida, recuperou-se a ponto de se tornar a sexta maior economia do mundo.
Estatísticas frias à parte, a qualidade de vida é admirável.
Diz da Itália, por exemplo, George Steiner, ensaísta e crítico literário, professor na mitológica Universidade
de Cambridge: “Para o melhor ou para o pior, sob uma legião de governos conduzidos por um punhado de políticos excepcionalmente hábeis e cínicos, a Itália tem sido uma das mais estáveis
sociedades no Ocidente. E, talvez, a mais humana”.
Desconfio que Steiner está se referindo à “dolce vita”, essa maneira despreocupada e tranquila de levar a vida.
Em outro ensaio, este sobre a Europa, o crítico diz que a Europa se define por seus cafés, desde “o café favorito de [Fernando] Pessoa em Lisboa” até “os balcões [de cafeterias, claro] de Palermo”, no sul da Itália.
Completa: “Desenhe o mapa dos cafés e você terá o essencial da ideia de Europa”. Da ideia de Itália, também. Pode ser uma visão ingênua, talvez elitista, mas para quem nasceu, cresceu e viveu a maior parte do tempo no frenesi de São Paulo, é uma ideia extremamente sedutora —capaz de sobrepor-se ao caos político que ocupa as manchetes.
É sintomático que, depois de uma semana de turbulência nos mercados financeiros, a bolsa de Milão tenha subido na sexta-feira (1º) apesar de dois partidos populistas —inimigos dos mercados— terem finalmente assumido o governo de número 66 da Itália no pós-guerra.
É por essa resiliência da “ideia de Itália” que digo que pode servir de exemplo para o Brasil.
Suspeito que a força da sociedade italiana e de sua cultura permita ao país viver razoavelmente bem apesar dos governos que entram e saem ao ritmo de motel.
A sociedade toca a vida, com ou sem governo. No Brasil, fica eternamente à espera de que um governo faça o país andar (ou, na maioria das vezes, o arruine).
O problema, agora, é saber se essa “ideia de Itália” consegue resistir à coligação entronizada neste sábado entre um populismo de esquerda (o Movimento 5 Estrelas) e um de direita, ainda por cima, xenófobo e fascistoide (a Liga, ex-Liga Norte).
É contra a natureza. Pesquisa do Centro Pew mostrou, no fim de 2017, que apenas 13% dos italianos adultos têm uma opinião favorável tanto da Liga como do Movimento 5 Estrelas. Não é, pois, um casamento por amor. Pior: 46% têm visão desfavorável de ambos.
No caso da imigração —cavalo de batalha da Liga— 75% de seus simpatizantes consideram os imigrantes um peso, quando, para 40% dos votantes do Movimento 5 Estrelas, são uma força para a economia.
Além disso, os dois movimentos declararam guerra à Europa, à qual a Itália está atada por compromissos que transcendem governos e que limitaram eventuais aventuras dos governantes.
Se a Itália resistir também a essa nova aventura, precisaríamos estudar seus segredos, cafés à parte.
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