Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.
Um brinde no centenário de Hélio Pellegrino
Psicanalista teria completado 100 anos no dia 5 passado, mas a data foi ignorada
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Era o menos mineiro dos quatro mineiros. Com gestos largos, olhos faiscantes e retórica apaixonada, virou o homem-comício, ou "nosso Dante", na definição de Nélson Rodrigues, que o adorava, a despeito das gritantes diferenças políticas. Quem esteve na Passeata dos Cem Mil, em junho de 1968, não esqueceu seu discurso: "O povo está na praça pública. E a praça é sua casa."
Era também um sujeito brincalhão ("as pessoas sérias se tornam o busto de si mesmas"). Em outra manifestação, um blindado brucutu apareceu com seu poderoso jato d'água. Na hora do disparo saiu apenas um fiozinho. "Pessoal, o brucutu brochou!", foi logo dizendo, para delírio da galera.
"O coração é siciliano, a alma russa, não tem jeito". Numa reunião de estudantes, levantou-se para ler um poema de Castro Alves. Inflamado, subiu na cadeira. Levado pelas rimas vibrantes, colocou a cadeira em cima da mesa e equilibrou-se no alto, lançando sua voz de barítono para longe, com grande efeito.
Como psicanalista, Hélio Pellegrino ouvia; como orador, era ouvido. Ia do divã ao palanque, e equacionava os dois gestos com fervor. Para ele, não havia incursão no inconsciente sem conexão com a consciência social. Temido por suas ideias e enorme carisma, foi preso. Ficou três meses numa cela em que também estava Zuenir Ventura, autor de "1968 - o ano que não terminou".
O jornalista conta que, na prisão, subornaram um guardinha para que ele comprasse uma garrafa de uísque barato na esquina. No dia seguinte, o comandante do quartel apareceu com um frasco de malte escocês e os serviu. Não queria saber de contrabando de bebida ali dentro. Ele mesmo seria o garçom.
Outra vez chamou Pellegrino a seu escritório. Todos ficaram apreensivos. Mas a questão era de cabeça. O fardado tinha anseios de pular pela janela e queria a opinião de seu prisioneiro. "No fundo, o senhor é também um prisioneiro, de si próprio, e acha que a liberdade está lá fora." O Mauro de "Encontro marcado" era rápido com as respostas, que deixavam o oponente zonzo.
Seu centenário não foi comemorado neste dia 5 de janeiro. Silêncio ruidoso.
D'Artagnan de Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino, pois era o mais novo, Pellegrino esgrimia em muitas frentes. Entre elas, destacava-se no papel de tirar a psicanálise do pedestal. Criou um grupo de psicanalistas para atender gratuitamente às classes populares, que virou modelo para experiências futuras.
Católico marxista, dizia que espírito é carne e liberdade, ação. E frisava: "A coisa mais importante do mundo é a possibilidade de ser-com-o-outro, na calma, cálida e intensa mutabilidade do amor."
Como muitos na época, era boêmio. De acordo com Antonio Candido, Hélio improvisava estrofes quinhentistas em mesas de bar, "muitas vezes obscenas". E tinha suas crises pessoais, tão intensas quanto suas batalhas públicas.
Num momento de "embriaguez vertical", quando "o homem é pura insônia", encheu a cara de vinho Madeira, enquanto escrevia uma carta a Otto. A colheita era de 1928, capaz de "conter os destroços da alma." Na manhã seguinte, veio a bonança emocional e a ressaca, que não escolhe safra.
O vinho fortificado, cujo nome vem da ilha próxima à costa do Marrocos, resiste bastante ao tempo. Ainda há muito a se beber da obra de Hélio Pellegrino.
BRANDIED MADEIRA
- 30 ml de Madeira
- 30 ml de conhaque
- 15 ml de vermute seco
Mexa os ingredientes num copo old-fashioned com gelo e acrescente uma casca de limão siciliano.
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