"Um homem e uma mulher entraram num bar, sentaram-se e pediram martini seco. Enquanto o garçom os servia, ela foi ao telefone, ele foi ao toalete. Quando regressaram, ao tomar a bebida, a mulher caiu fulminada."
Assim começa "Martini Seco", romance policial curto do centenário Fernando Sabino. O parágrafo lembra a consistência sintética de uma piada ou charada. E a secura do próprio martini seco, tradução literal do dry martini. É a secura da ficção hard-boiled, com seus personagens cínicos e durões.
Lançado em 1985, como parte da trilogia de mistério "A Faca de dois Gumes", e dois anos depois em edição solo, "Martini Seco" é tão divertido quanto ligeiro, e curiosamente termina num pastelão violento, à la Tarantino.
No livro, regado também a uísque, o comissário responsável pela investigação tem aquele jeitão de enfado ("o que é, agora?"), que só aumenta sob o calor carioca. Mas é um bom sujeito, vê-se logo. Já a delegacia é um circo, com escrivães atrapalhados e investigadores truculentos.
A mulher, entre vítima e suspeita, é bela e misteriosa como Lauren Bacall - ou Leonora Amar, que atuou em "Veneno" com Anselmo Duarte, filme policial de 1952, com elementos parecidos aos do romance de Sabino. Uma femme-fatale de dicionário.
Na crônica "Ao bom bebedor meia garrafa basta", cujo título indica muito do conteúdo, ele conta que, depois de um estrago com cachaça aos 11 anos, tomou o primeiro grande pileque de sua vida aos 15. Foi "de gim, que até hoje sabe a loucura e tem o gosto de consequências fatais" - descrição que se encaixa perfeitamente na trama de seu romance policial.
Mais adiante, conta como aderiu ao uísque, terminando a noite "debaixo do chuveiro aberto, ainda vestido no elegante dinner-jacket da minha primeira festa a rigor."Começou com o Old Parr, que estava "na moda". Depois passou para outras marcas, como o White Horse que Paulo Mendes Campos tomava.
A crônica, que está no livro "Deixa o Alfredo falar!", de 1976, defende a teoria de que existe o bom e o mau bebedor, o que é um tanto discutível. Para Sabino, a coisa complica quando se cruza a fronteira do terceiro drinque. Razoável que era, acrescenta: "a contagem varia de bebedor a bebedor".
Cita, por exemplo, um velho amigo, que afirmou, "com a mais cínica das convicções: 'Eu só tomo três; depois do terceiro me transformo noutro sujeito, e este sim, bebe como gente grande.'"
O importante é beber "sem deixar gosto de lápis no esôfago, sem deixar poeira no estômago." Ou beber quando se está feliz, mandamento de Chesterton, o teólogo da embriaguez.
Ao lembrar das andanças noturnas com os três amigos inseparáveis, Paulo, Otto Lara Resende e Hélio Pellegrino, no início dos anos 1940, Sabino acrescentou outra forma e razão para beber: era o "indispensável combustível de nossa rebeldia. Rebeldia contra quê? Contra tudo. Tínhamos de beber para justificar a embriaguez da mocidade em que vivíamos."
Para os cem anos do autor de "Encontro Marcado", completados neste dia 12, a dica é o White Horse, não a marca que Paulo apresentou a Otto certo dia, mas um coquetel descrito no "Café Royal Cocktail Book", de 1937, que leva tanto o uísque dos amigos quanto o vermute do martini seco de deliciosas consequências fatais.
WHITE HORSE
- 37,5 ml de scotch
- 37,5 ml de vermute seco
- 15 ml de licor Bénédictine D.O.M.
- Um lance de Angostura
- * Mexer os ingredientes com gelo e coar para uma taça coupe gelada.
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