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Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Não imite Biden, Lula!

Presidente eleito não precisa repetir os erros do americano que recolocaram a direita radical no jogo

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Como Joe Biden, Lula derrotou nas urnas um presidente extremista –e, como Biden, enfrentou a contestação golpista do resultado eleitoral. Mas o brasileiro não precisa reproduzir os erros seguintes do americano, que recolocaram a direita radical no jogo do poder.

Biden venceu no voto popular por 4 pontos percentuais e os democratas conquistaram maiorias na Câmara e no Senado. Daí, concluíram erradamente que dispunham de um mandato político irrestrito.

De saída, o presidente articulou dois pacotes fiscais: um de infraestrutura, negociado com os republicanos, de US$ 1,2 trilhão, e outro social e ambiental, combatido pelos republicanos, de US$ 1,9 trilhão. Poderia aprovar logo o primeiro, selando um mega triunfo parlamentar, e fatiar o segundo, passando suas iniciativas mais relevantes.

O presidente americano, Joe Biden, durante evento em Delaware, nesta sexta-feira (16) - Jim Watson/AFP

A húbris não deixou. Contrariando o discurso de reconciliação nacional empregado na campanha presidencial, os democratas transformaram o pacote bipartidário em refém do pacote controverso, exigindo a aprovação simultânea de ambos. Previsivelmente, fracassaram: numa batalha de meses, que consumiu o capital político do presidente, o estímulo fiscal maior foi derrotado.

Dali em diante, o governo Biden desceu a ladeira da popularidade. Nas eleições parlamentares de meio de mandato, os republicanos venceram o voto popular por 3 pontos percentuais e recuperaram a maioria na Câmara. A derrota só não foi esmagadora porque, hipnotizados por Trump, os republicanos alinharam fileiras de candidatos lunáticos para as duas casas do Congresso. Hoje, o favorito para as presidenciais de 2024 é Ron DeSantis, republicano da direita dura que evita os excessos teatrais trumpianos.

Lula venceu Bolsonaro por menos de 2 pontos percentuais e os partidos de esquerda somam apenas 27% das cadeiras da Câmara. Mas, à sombra da húbris, o presidente eleito negociou com Arthur Lira a PEC da Transição para, em seguida, designar uma equipe econômica sob controle petista.

Por essa via, o novo presidente contraria seu discurso de campanha sobre a economia ("previsibilidade, estabilidade e credibilidade") e sua promessa de um governo de unidade democrática antibolsonarista. A nomeação de Mercadante para o BNDES, defendida por Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, sob o argumento de que "o PT venceu as eleições", serviu como senha para a blitzkrieg contra a Lei das Estatais conduzida em conjunto pelo centrão e pelo PT. A "base aliada" já pode, novamente, colonizar a Petrobras.

A desculpa do improviso não se aplica ao discurso lido por Lula na cerimônia de diplomação. Nele, a húbris explode como cogumelo atômico em duas falsas equivalências.

"Eu sei quanto custou ao povo brasileiro essa espera para que a gente pudesse reconquistar (sic!) a democracia": aqui, Lula sugere que experimentamos quatro anos de ditadura e identifica sua própria eleição como um retorno à democracia.

"Poucas vezes na nossa história a vontade popular teve que vencer tantos obstáculos para enfim ser ouvida": aqui, Lula desenha um sinal de igual entre ele mesmo e a vontade popular. São sentenças de quem já esqueceu o que disse nos meses de campanha.

Biden mobilizou sua frágil maioria parlamentar para votar o programa máximo de seu partido, colhendo uma derrota desastrosa. Lula firma um pacto faustiano com a direita fisiológica para montar uma maioria espúria e aprovar o que lhe dá na telha. Nesse passo, traça um rumo econômico insustentável e aliena o eleitorado que acreditou na frente democrática.

Vitórias condicionais não devem ser tomadas como triunfos absolutos. Nos EUA, Biden restaurou a perspectiva de poder da facção republicana direitista. Aqui, Lula ameaça reconstruir uma maioria eleitoral inclinada à extrema direita. Ainda é tempo de dar meia-volta, desistindo da PEC e do pacto com o centrão.

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