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Jornalista especializada em diversidade, escreve sobre quem vive às margens nada plácidas do Ipiranga, da América Latina e de outras paragens

Com Milei, coletivos afro-argentinos saem da incerteza para o estado de alerta

Eleição de ultraliberal gera 'desânimo absoluto, angústia, medo'

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Dois dias antes do segundo turno das eleições na Argentina, 29 organizações da comunidade afro-argentina, afrodescendente e africana no país se pronunciaram em um comunicado sobre o "perigo" representado por Javier Milei. Os coletivos assinalavam que, "como grupo historicamente vulnerado", seriam os prejudicados óbvios ante propostas como a privatização da educação e da saúde e de cortes na promoção de direitos, anunciadas ao longo da campanha do presidente eleito no domingo passado.

Entre outras considerações, observaram ainda que o livre porte de armas, outra medida defendida por Milei, aprofundaria "a violência e a perseguição racista que prende e mata os negros", em meio à consolidação de "uma vida indigna sem direitos políticos, trabalhistas e sociais".

Villa 31, uma das maiores favelas da Argentina, localizada na região central de Buenos Aires - Guillermo Adami/Folhapress

Menos de 24 horas depois do anúncio do resultado eleitoral, em que o candidato de extrema direita saiu vencedor com 56% dos votos contra 44% do peronista Sergio Massa, representantes dessas organizações disseram à Folha haver passado da "incerteza" ao "estado de alerta", enquanto observam as primeiras medidas anunciadas pelo mandatário eleito para "reorganizar" o país.

A vitória contundente de Milei gera "desânimo absoluto, angústia, medo", descreve Alí Emmanuel Delgado, ativista antirracista, advogado e professor na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires (UBA), que acompanhou o minuto a minuto da apuração no Centro de Cômputos dos Correios da Argentina.

"Não havíamos tido no período democrático esse tipo de direita que reivindica a ditadura militar, este era um consenso que não se havia rompido na Argentina", diz Delgado, que é militante do setor kirchnerista La Cámpora e cofundador da Organização de Afrodescendentes para a Formação e a Assessoria Jurídica (Oafro), uma das signatárias do comunicado.

A advogada Patricia Gomes, também docente na UBA e ativista antirracista e feminista, destaca igualmente uma "relativa surpresa, apesar de todo o descontentamento", com a escolha de uma sociedade com "um longo histórico de lutas e uma ditadura sangrenta".

Centro de educação popular Marielle Franco, em Buenos Aires, vandalizado com palavras de ódio e pedidos de volta da ditadura - 1°.out.23/bachipopular_mariellefranco no Instagram

"Se você olhar o eleitorado do Milei, há muita gente de bairros populares, pessoas vulneradas pela discriminação e pelo racismo e que no entanto votaram em um projeto político e econômico de exclusão. Sabemos que são as populações racializadas —apesar de que na Argentina não são identificadas amplamente em termos étnico-raciais— as primeiras a sofrer as consequências das crises econômicas e da violência estatal, o que consequentemente deixa um cenário muito complexo pela frente", pondera Gomes, que integra a Área de Gênero da Comissão 8 de Novembro (Dia Nacional dxs Afroargentinxs e da Cultura Afro).

ONGs afro-argentinas autoras do comunicado - @afroargentino_x

Sobrevivência e despolitização

Delgado se une a esta reflexão: "Vamos esperar baixar um pouco a poeira para ver e rever muitas coisas. Para as comunidades afro, indígena, que já são muito empobrecidas, esse resultado é um golpe muito grande, e esse é outro desafio para a nossa organização, porque as pessoas estão vendo como sobreviver".

"Em 8 de novembro, quando fizemos a primeira manifestação geral das comunidades afro-argentinas e afrodescendentes, dizíamos que poderia ser também a última", ele conta. "Os setores populares da Argentina são racializados. Sabemos que não contaremos com o apoio desse governo para o avanço de direitos, senão que enfrentaremos repúdio e até perseguição, porque Milei já disse que não vai tolerar protestos."

Também para Gomes "a rua" é um território que lhe preocupa daqui para a frente, porque "um projeto político-econômico como o que propõe Milei não pode se concretizar sem uma violenta repressão".

"De 2015 para cá, foram oito anos de despolitização forte da sociedade. Não há nada pior que uma crise do que a manutenção da crise, resultado principalmente da dívida com o FMI trazida pelo [ex-presidente Mauricio] Macri e que piorou com a guerra, com a pandemia e com uma das piores secas da história. Milei aproveitou essa despolitização para conquistar os jovens, que era algo que fazia o kirchnerismo", analisa Delgado. "Então a falta de respostas dos governos populares, a crise econômica aprofundada e que não foi revertida, um ministro de um governo com 140% de inflação e que se torna candidato [Massa], esses foram alguns fatores que nos trouxeram até aqui."

"Já não se trata mais de um momento de incerteza, senão de alerta", completa Gomes. "E assim estaremos pelos próximos quatro anos."

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