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Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

Cancellier, a vítima do lava-jatismo

Preso e humilhado, o reitor da UFSC matou-se

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O ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou que investigará se foram praticados abusos na operação que em setembro de 2017 levou à prisão o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier. Foram.

O anúncio de Dino veio logo depois de o Tribunal de Contas da União ter revelado que não encontrou irregularidades na gestão do professor. A morte do reitor Cancellier foi um momento exacerbado dos tempos lava-jatistas. Revisitá-los com frieza evitará que se repitam.

Hall da sala do conselho da reitoria da UFSC, com o retrato de Cancellier - Caio Cezar-8.mai.18/Folhapress

Preso e algemado, Cancellier foi libertado em 36 horas e proibido de circular na universidade. Dezoito dias depois, o professor matou-se, atirando-se do alto de um shopping center de Florianópolis. No seu bolso havia um bilhete que dizia: "A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade."

A investigação contra Cancellier partiu de uma denúncia anônima. Em julho de 2017, a delegada da Polícia Federal Érika Marena produziu um relatório de 126 páginas e o encaminhou à Justiça. Marena era uma estrela da Operação Lava Jato e num filme que a louvava ela era interpretada pela atriz Flávia Alessandra. Em agosto, a juíza Janaína Cassol autorizou o início da Operação Ouvidos Moucos. No dia 14 de setembro, Cancellier e outros cinco professores foram presos. Eram acusados de um desvio de R$ 80 milhões.

Desde o primeiro momento a equipe de policiais foi advertida para a existência de pelo menos um erro aritmético. O programa de onde teria saído o desvio valia R$ 40 milhões. Nada feito.

Cancellier só se fez ouvir graças ao repórter Ascânio Seleme. Denunciava "uma investigação interna que não nos ouviu; um processo baseado em depoimentos que não permitiram o contraditório e a ampla defesa".

Diante da morte de Cancellier, o juiz Sergio Moro saiu-se com uma pérola: "Foi um infortúnio imprevisto na investigação". De Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol mandou uma mensagem à delegada Marena: "Erika, eles não prevalecerão. É um absurdo essas críticas. Um bando de –perdoe-me– imbecis. (...) Não fique chateada, amiga."

Os colegas de Cancellier saíram em sua defesa e Lula divulgou uma nota condenando "a sanha das manchetes sensacionalistas e a sede da destruição de reputações". Do Judiciário, partiu a voz da desembargadora Simone Schreiber, do TRF-2: "O espetáculo de humilhação da pessoa investigada não serve para rigorosamente mais nada, só para a Polícia Federal fazer sua propaganda institucional".

Na cela em que foram colocados os professores um deles disse: "A sociedade está doente. Um louco encontra outro louco, que encontra outro mais louco ainda, e acontece isso".

Passaram-se seis anos e ninguém se desculpou. Chegou-se a buscar intimidações, prosseguindo o que teria sido uma investigação quando era acima de tudo um futrica universitária.

A apuração que Dino pretende fazer não precisa de malucos. O caso de Cancellier pode vir a expor o gosto da ação policial pelo espetáculo a partir do arbítrio, o reboquismo da Justiça e a precipitação da imprensa, divulgando de forma acrítica versões policiais factualmente contestadas.

Se uma das pernas desse tripé sair do jogo, mesmo havendo três malucos, pessoas como Cancellier não passam pelo que ele passou.

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