Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Lula vai se acertar com a Europa

Isso acontecerá quando ele descer do palanque

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Lula exagerou na dose quando chutou o balde ao atacar as restrições que a Comunidade Europeia quer impor a compras de produtos agropecuários da Amazônia e do cerrado brasileiro. As restrições foram concebidas para um país que tinha uma diplomacia inerte. Países se relacionam com países, não com governos. Até as pedras sabiam que um boicote às exportações de grãos e carnes estava na esquina e o governo de Pindorama prestigiava, por palavras e atos, a facção agrotroglodita do seu empresariado.

Desde agosto do ano passado, sabia-se que os grãos e a carne brasileira poderiam vir a sofrer restrições para entrar na Europa. Tratava-se, entre outras coisas, de antecipar de 2030 para 2025 a meta de desmatamento zero no cerrado, de onde sai o grosso das exportações de grãos. Saiu uma recomendação para que a partir de 2024 não se comprem produtos colhidos em áreas desmatadas depois de 2020.

O presidente Lula com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no Palácio do Planalto - Gabriela Biló - 12.jun.23/Folhapress

Se esse assunto for entregue a um terceiro secretário recém-formado pelo Instituto Rio Branco, ele entregará em poucos dias uma planilha capaz de orientar uma negociação para desfazer o enrosco. Se o assunto ficar como está, na pura marquetagem, os interesses que estão do outro lado, comovidos, agradecerão.

Dizer que o Brasil protege suas matas é repetir o discurso de Bolsonaro, copidescado pelo tenente-coronel Mauro Cid. Denunciar o gesto da União Europeia como protecionismo, além de chover no molhado, legitima artificialmente o pleito de quem busca a proteção. A soja francesa é bastante subsidiada e é mais fácil recolocar os Bourbons em Versalhes do que levar um presidente francês a brigar com seus agricultores. O problema é que, mesmo subsidiada, falta competitividade internacional a essa produção.

O negociador brasileiro pode escolher dois caminhos. No primeiro, Bolsonaro e Lula (até agora) cantaram o Hino Nacional. Como lá os hinos são outros, o efeito será nulo. O outro é baixar a bola, começando a conversar.

Na sua passagem por Paris, Lula disse que "não é possível que haja uma carta adicional fazendo ameaças a um parceiro estratégico". Possível é, tanto que elas estão aí. Também é possível negociá-las, mas isso deve ser feito numa mesa, não num palanque.

Na Comunidade Europeia, como no Brasil, a defesa do meio ambiente está na agenda política dos governantes. O governo de Bolsonaro não disse uma só palavra enquanto a ameaça estava no forno. O governo de Lula nada tem a ver com seu discurso e não se conversa com a linguagem usada até agora.

Não há dúvida de que o agronegócio brasileiro (noves fora os agrotrogloditas) pode se entender com a Comunidade Europeia. É apenas uma questão de tempo. Lula poderia ter começado a tratar desse assunto na sua viagem à COP27, realizada no ano passado no Egito. Não há registro de que isso tenha acontecido. Nos dias em que lá esteve, reiterou seu compromisso com o meio ambiente.

O discurso neobolsonaresco dos últimos meses é um tiro no pé, pois, a partir dele, qualquer concessão parecerá recuo, e limitações estão implícitas na própria plataforma eleitoral do atual governo.

O Itamaraty e o agronegócio brasileiro têm quadros suficientes para sentar com os europeus em busca de um acordo. A conta do impasse não é de Lula, a menos que ele atravesse a rua para escorregar nele.

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