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Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

Mamilos não fazem mal a ninguém; leis inúteis fazem

Na praia do Pinho, nádegas apenas exercem o seu inofensivo direito de ir e vir

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Havia muito tempo meus mamilos não ficavam tão indignados. No momento tramita na Câmara de Camboriú (SC) um projeto de lei propondo a proibição do nudismo na praia do Pinho. Ora, senhores, conheço essa praia há décadas e estive lá no último final de semana, por isso me sinto à vontade para falar a respeito.

A praia do Pinho é uma pequena extensão de areia próxima a wanna-be-Dubai Camboriú. Diferentemente do famoso balneário, que precisou duplicar sua faixa de areia para atender a uma especulação imobiliária cuja única regra é quem dá mais, ofertando apartamentos com o metro quadrado mais caro do país, numa praia que se tornou imprópria para banho, o Pinho é um trecho de natureza preservada onde, desde os anos 80, nádegas exercem seu inofensivo direito de ir e vir.

Nudistas na praia do Pinho, em Balneário Camboriú (SC) - Giovana Madalosso

Para justificar seu projeto de lei, o vereador-que-ama-sunga argumenta que eventualmente a praia abriga situações de promiscuidade. Como já disse, meus mamilos estiveram lá e não viram nada demais. Para começar, ninguém é obrigado a tirar a roupa —eu só tirei a parte de cima. Metade dos banhistas estava vestida, outra metade, como veio ao mundo, e aquelas bundinhas faziam coisas bundanas, como jogar frescobol, tirar fotos ao pôr do Sol ou relaxar na leitura.

O vereador também argumenta que ali já houve casos de pessoas se encontrando atrás de moitas ou usando drogas. Eu não vi isso, mas já vi em outras praias, como na baladeira Jurerê Internacional, na ecstasyada Trancoso ou mesmo na verdadeiramente internacional Mykonos, onde, no ano em que estive lá, a última moda era uma calça jeans aberta na parte de trás.

Talvez o problema da Praia do Pinho esteja não na moita mas na sua pouca capacidade de encher o bolso dos donos de moitas, porque, falemos a verdade, um saco mole no calor do verão não faz mal a ninguém. A motivação desse projeto só pode ser criar mais uma lei para moralista ver ou para atender a interesses escusos, como tantas outras iniciativas que pululam pelo país.

Em 2020, por exemplo, a Assembleia do Paraná aprovou um projeto que proibia o uso do pronome neutro na comunicação feita pelo Estado. Conversei com um deputado e descobri que nunca houve ninguém tentando emitir um documento para Ilustríssemes, Excelentíssimes ou Nadíssemes. Ou seja, era mais um projeto sem utilidade nenhuma, elaborado só para saciar conservadores.

E quais os problemas desses projetos que, na maioria das vezes, vão do nada a lugar nenhum? O tempo e a energia gastos para ir do nada a lugar nenhum.

Neste verão, Santa Catarina vem sofrendo com chuvas fortíssimas. No dia 19 de janeiro, um temporal causou um deslizamento grave, que fechou por um dia inteiro a BR 376 e destruiu moradias —até agora se veem escombros na região.

Em dezembro, outro temporal destruiu a cidade de Morretes (PR). Semana passada, uma cachoeira brutal irrompeu no centro de Nova Iguaçu (RJ). Esses já são alguns resultados da crise climática, que pede projetos de lei que protejam com urgência o meio ambiente; assim como milhares de cidadãos pedem projetos de lei que os protejam da fome e da falta de educação, de saúde, de moradia e de segurança pública, só para citar alguns itens de uma longa lista.

Perder tempo com os meus mamilos ou com o pênis do próximo pode até ser agradável ou mesmo excitante, mas certamente não é para isso que pagamos os parlamentares de um país tão cheio de carências.

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