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Uai, so serious: o mineiro, críptico, resume a condição humana

Gosto dessas piadas por uma razão: não há equivalente no anedotário internacional

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Não tenho saudade de muita coisa. Mas sinto falta do tempo em que se contava anedota. Nunca mais ninguém puxou: “Conhece aquela do papagaio?”. A anedota deu lugar ao meme, mais rápido, mais visual, mais postável. A piada não se posta, se passa de pai pra filho ou, mais comum, de tio pra sobrinho. O sujeito quando virava tio tinha que decorar uma dúzia de piadas, fazia parte da liturgia do cargo.

Há quem atribua a morte da piada ao politicamente correto. Muitas anedotas eram francamente racistas, machistas e homofóbicas, às vezes tudo isso ao mesmo tempo. As piadas de português, por exemplo, caducaram. Um país que tem um presidente como o nosso não pode chamar ninguém de estúpido —quanto mais o português, que inventou um país pro qual todo o mundo quer se mudar.

Gosto das piadas de mineiro, por uma razão: não há equivalente no anedotário internacional. A piada não se baseia em estereótipo: o mineiro, críptico, resume a perplexidade da condição humana. Só brasileiro entende o mineiro. Ou melhor: nem ele. Decifra-o ou te devora: o mineiro da piada, esfinge do Brasil, fica em algum lugar misterioso entre a ingenuidade e a sabedoria, a malandragem e a pureza, Nietzsche e seu Nerso.

Tenho lugar de fala: sou mineiro por parte de avó, e por parte de filha também. Minha mulher é mineira de Araguari, o que me dá uma coleção de palavras novas por dia: menino riliento. Repara na panca. Dei uma rata. Deixa de ser custosa. Deu sorte, rabudo. Tá engastalhado. Fizeram uma sóca. Tô com cafubira.

E, além das palavras, as anedotas. Parte da graça das piadas está no fato de elas serem contadas, quase sempre, por um mineiro —o que não acontece com as outras piadas, que envelheceram mal por serem outrofóbicas. O mineiro é o judeu brasileiro: autoirônico, matriarcal e com vocação pra se comunicar por parábolas.

Passei a madrugada trocando piada com o amigo mineiro Afonso Tostes —e acabo de perceber que talvez a anedota renasça com o advento dos áudios. Ouvi uma que não conhecia: o mineiro viu o amigo pescando e se sentou ao lado dele. O pescador, ao perceber que o amigo curioso estava ali observando a pescaria fazia mais de quatro horas, ofereceu-lhe uma varinha de pescar. Ao que ele respondeu: “Deus me livre, moço. Não tenho paciência, não, sô”.

Tenho me sentido assim em relação a tanta coisa. A vida, mesmo. Não tenho paciência, não, sô. Mas tá gostoso ficar olhando.

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