Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".
Cancelando o mundo
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Li na Folha que séries brasileiras que trazem figuras do folclore como Curupira, Saci e Iara sofreram cancelamento sob a acusação de apropriação cultural.
Sou um homem do século passado. Pior, sou branco, cis, heterossexual e, pelos critérios de renda da FGV, pertenço à classe A. Só o que me impede de estrelar o papel de vilão da modernidade é que faço parte de duas minorias historicamente perseguidas: sou judeu e ateu (não, não há contradição). Apesar disso, sou relativamente aberto às inovações "woke".
Acho importantíssimo discutir racismo e outras formas de discriminação; vejo méritos no PC (politicamente correto), embora deplore seus exageros; e aceito o uso da linguagem neutra, ainda que seja cético quanto à possibilidade de dirigir a evolução da língua. Mas, se há um elemento da cartilha "woke" que não compro, é a apropriação cultural. Não consigo ver nada de deletério em usar objetos de outras culturas. Ao contrário, vejo nisso um dos grandes acertos da humanidade
Comecemos pela religião. Medindo a grossura da minha edição da Bíblia, constato que o Antigo Testamento, isto é, o "Tanakh", ou Bíblia hebraica, ocupa 4,1 dos 5,3 cm do livro. Se cada cultura pudesse guardar exclusivamente para si seus artefatos, nós, judeus, poderíamos cancelar a versão cristã das Escrituras? E não só elas; o Alcorão também reproduz várias histórias bíblicas.
É claro que a coisa não para aí. Se investigarmos melhor, vamos constatar que os judeus também cometeram o pecado da apropriação. O mito da arca de Noé, por exemplo, já está no "Gilgamesh", obra mesopotâmica pelo menos mil anos mais velha que o "Tanakh".
Se você, leitor, acha que os direitos de exclusividade devem ser respeitados, então pare de ler, a menos que descenda de egípcios ou sumérios. É que foram eles que inventaram os sistemas que deram origem ao alfabeto. Todas as outras escritas baseadas em som os copiaram.
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