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Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

Insegurança privada

Projeto do Executivo na Câmara quer desconstruir o controle de armas no país

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De autoria do Executivo Federal, o projeto de lei 3.723/2019, em votação no Congresso, é prova cabal de que o governo escolheu concentrar a sua agenda na insegurança pública. O PL destrói o sistema de controle de armas do país e pode beneficiar o desvio para o crime e a formação de milícias armadas.

Estudos científicos mostram que o aumento de armas em circulação gera mais violência. Os mais de 40 mil assassinatos por arma de fogo registrados todos os anos no Brasil demandam propostas de aperfeiçoamento da fiscalização e controle, e não o contrário.

Ao designar a indivíduos a responsabilidade de cuidarem da própria integridade física ou material, o Estado transfere erroneamente para o privado uma responsabilidade que é sua. É hora de lembrar aos nossos governantes e parlamentares que políticas devem ser orientadas por evidências científicas e que a segurança é um direito de toda a população, e não apenas de uma minoria que pode pagar pela falsa sensação de proteção que a arma traz.

Dentre as inúmeras más notícias que o PL traz estão o porte para atiradores desportivos e caçadores, vigilantes privados e outras categorias, privilégios irresponsáveis para os colecionadores, e o aumento do número de armas que policiais podem comprar para uso pessoal —dez pré-aprovadas. Aparece na lista também a recarga de munição de lotes vendidos sem marcação, de maneira a tornar impossível seu rastreamento, o que dificulta investigações de crimes que envolvam armas de fogo. 

É notável a total falta de transparência e a obstrução do debate público. O PL 3.723/2019 foi encaminhado pela Presidência da República e o deputado Alexandre Leite (DEM-SP) foi designado relator. O PL não tramitou por nenhuma comissão da Câmara, seja permanente ou especial. Seus substitutivos foram apresentados diretamente em plenário e sua votação anunciada da noite para o dia. É inadmissível que um projeto de lei que modifica a lei penal e desconstrói o sistema de controle de armas seja levado direto ao plenário, sem tempo para análise, sugestões e críticas.

Vale notar que as investidas do governo agradam apenas um pequeno grupo de seus apoiadores. Elas contrariam a opinião da maior parte dos brasileiros, como demonstrado por pesquisa Ibope em que 73% da população são contra a permissão do porte de armas e 61% são contrários a mais facilidade para a posse de arma em casa. Reforçando a preocupação legítima e correta dos cidadãos, 14 governadores e 12 ex-ministros da Justiça também se manifestaram publicamente contra "o libera geral" armamentista deste governo.

Ao invés de propor a flexibilização das regras, o governo deveria garantir o controle adequado das armas legais existentes. A maior parte das armas usadas para cometer crimes no Brasil tem sua origem na legalidade —no Sudeste são 61%, segundo estudo do Sou da Paz. No entanto, governantes não são capazes de responder a perguntas básicas sobre a situação dessas armas legais no Brasil. Tampouco têm informações sobre os impactos futuros das mudanças propostas.

É dever do Estado nos proteger. A Câmara dos Deputados deve agir de acordo com o espírito para o qual foi criada: ser a casa do povo, onde suas vozes são ouvidas e representadas. Se falhar em sua missão, caberá aos senadores mostrarem responsabilidade fazendo o que esperamos também dos deputados: recusar o projeto e votar de acordo com o interesse público. Que fique claro para a população que o PL tende a agravar a já inaceitável situação de violência em nosso país. É preciso priorizar a vida e não a morte de mais brasileiros e brasileiras —nós não somos alvo.

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